Home>Pareceres Jurídicos até 2017>Gravação das Reuniões da Assembleia e da Câmara Municipal.
Home Pareceres Jurídicos até 2017 Gravação das Reuniões da Assembleia e da Câmara Municipal.

Gravação das Reuniões da Assembleia e da Câmara Municipal.

 

Solicita o Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício de …, referência n.º …, a emissão de parecer sobre as seguintes questões:

  1. É possível nas sessões da Assembleia Municipal, que por natureza são públicas, que terceiros, designadamente jornalistas ou outros, procedam à gravação integral dos trabalhos e intervenções dos Senhores Membros da Assembleia e dos Senhores Membros do Executivo Municipal?
  2. Em caso afirmativo – poder ser feita gravação integral da sessão -, pode qualquer dos Membros da Assembleia ou do Executivo, impedir que a sua intervenção seja gravada, dando nota expressa dessa vontade à Mesa da Assembleia?
  3. O Órgão Executivo tem mensalmente duas reuniões. Uma dessas reuniões é pública, com um período para intervenção e esclarecimento do público. Esta reunião pública mensal pode ser integralmente gravada por terceiros, designadamente por jornalistas ou outros?
  4. Na reunião mensal sem período para intervenção e esclarecimento do público pode ser feita a sua gravação por terceiros, designadamente por jornalistas ou outros?

Para os efeitos previstos no n. ° 2 do artigo 2.° da Portaria n.° 314/2010 de 14 de Junho, adianta-se que o parecer interno dos serviços da Câmara Municipal é o seguinte:

  1. a) O artigo 49.° da Lei 75/2013, de 12.09 (regime jurídico das autarquias locais) consagra o carácter público das sessões dos órgãos deliberativos das autarquias e a possibilidade de, no seu regimento, se fixar um período de intervenção e esclarecimento ao público;
  2. b) Quanto aos órgãos executivos, o mesmo artigo consagra a realização de, pelo menos, uma reunião pública mensal;
  3. c) Ali se estabelece ainda que nenhum cidadão pode intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tornadas;
  4. d) Porém, quanto à possibilidade de gravação integra! das assembleias municipais por terceiros ou jornalistas, quer a referida Lei, quer o Regimento da Assembleia Municipal de … são omissos;
  5. e) Da secção VIII do Regimento (“Da publicidade dos trabalhos e dos atos da Assembleia”) parece resultar que a publicidade é assegurada pelas atas e pela publicação das deliberações em DR (quando a lei o determine) e em edital, no sítio da internei, no boletim da autarquia e em jornais regionais (se verificados certos requisitos);
  6. f) por sua vez. o Estatuto do Jornalista (Lei 64/2007 de 06.11, que alterou a Lei 1/99 de 13.01), consagra para a Administração Pública, o dever de assegurar aos Jornalistas o acesso às fontes de informação (artigo 8.°);
  7. g) o mesmo diploma consagra aos jornalistas (artigos 9.° e 10.°), o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa (portanto, no exercício da atividade profissional), podendo os órgãos de comunicação social utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua atividade;
  8. h) no entanto, o artigo 14.° fixa aos jornalistas deveres vários, designadamente o de não recolher imagens/sons com recurso a meios não autorizados (exceto em caso de estado de necessidade) e o de se identificar como Jornalista (salvo razões de interesse público);
  9. i) do exposto parece resultar que os jornalistas não podem recolher som e imagem, nas reuniões dos órgãos deliberativo e executivo se não tiverem prévia autorização para tal;
  10. J) no caso das gravações por terceiros não identificados como Jornalistas, desconhece-se previsão legal, pelo que, por maioria de razão, devem ser proibidas;
  11. k) Quanto a saber se pode ser feita gravação integral da sessão quando um dos Membros da Assembleia ou do Executivo impedir a gravação da sua intervenção, entende-se que a resposta há-de ser negativa, a menos que, no caso do órgão deliberativo, o respetivo Regimento tenha admitido a gravação integral das reuniões;

  

Apreciando

  1. Do pedido

No presente pedido são colocadas quatro questões atinentes à admissibilidade da (livre) gravação das sessões da assembleia municipal e das reuniões da câmara municipal, por terceiros, membros do público ou jornalistas.

Cuidar-se-á assim de saber se nas sessões e reuniões públicas da assembleia municipal e da câmara municipal, é admissível a sua gravação integral por terceiras pessoas ou jornalistas, sem dependência de qualquer (prévia) autorização, e sendo-o, se na assembleia municipal qualquer seu membro ou elemento da câmara municipal nela presente pode vedar, proibindo, a gravação das suas intervenções.

Esclarecer-se-á ainda se na reunião reservada (privada) da câmara municipal, pode haver lugar à sua gravação por jornalistas ou terceiras pessoas.

 

  1. Análise

2.1. Quadro geral

2.1.1. A matéria em apreço já foi abordada em nosso anterior parecer[1], que ora se retoma nos segmentos que para aqui importam:

(…)

2.1. A Constituição estabelece como regra que as reuniões das assembleias que funcionem como órgãos (…) do poder local são públicas, excepto nos casos previstos na lei1. Ao referir-se a reuniões das assembleias, a norma constitucional, em matéria de poder local, dirige-se (apenas) aos órgãos considerados “assembleias”, a saber, assembleia municipal e assembleia de freguesia2.

Assim, na administração autárquica – municípios e freguesias – a regra relativa às sessões dos seus órgãos deliberativos é a de que são públicas3.

Esta abertura à presença de público4 não significa, contudo, liberdade de participação ou de intervenção deste nos debates e nos trabalhos das assembleias. É que a mesma lei que prevê a possibilidade dessa presença determina igualmente que a nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas5. O público é, assim, considerado mero assistente, podendo estar presente, ver e ouvir tudo quanto se debate, mas sendo-lhe vedado ter outra qualquer intervenção para além disso.

Porém, não obstante este princípio de mera presença e assistência aos trabalhos, a lei prevê a possibilidade da existência, no decurso da sessão, de um período para intervenção e esclarecimento do público, cuja concreta disciplina cabe ser estabelecida pelo regimento do órgão6.

Assim, o regimento do órgão deliberativo deve cuidar da previsão, na agenda dos trabalhos, de um período destinado a intervenções e esclarecimento do público7, no decurso do qual este pode interpelar directamente o órgão, colocando questões, e dele obter esclarecimentos e informações8.

2.2. A velha regra (a “tradição”), neste âmbito, é a de que as reuniões decorrem com a presença física dos seus membros9 – e não através de videoconferência.

Ainda que podendo ser suportada em documentos escritos, a reunião decorre sempre de forma oral, pessoal e directa, não havendo qualquer intermediação entre os membros que nela intervenham (ou seja, “falem”) e o colégio a quem se dirigem, ressalvadas as indicações destinadas a assegurar a “boa ordem” no decurso dos trabalhos que ao presidente cabe assegurar, dirigindo-se, assim, o orador directamente ao colégio e por ele (por cada um dos seus membros) podendo ser interpelado.

A memória futura de tudo quanto se passa nas reuniões dos órgãos colegiais – e o instrumento (documento) que garante a produção de efeitos jurídicos (eficácia jurídica) de tudo quanto nelas seja deliberado – é, nos termos da lei, assegurada unicamente pelas actas das reuniões.

acta da reunião (de qualquer reunião de órgão colegial, quer no âmbito de entes públicos quer de privados10) é, na definição do CPA, um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente, cujo conteúdo – ou seja, o relato de tudo quanto haja ocorrido na reunião e seja relevante para o órgão – é consensualizado, aceite e aprovado pelos membros do órgão que nela estiveram presentes, tendo então tido ou não qualquer intervenção.

A lei não prevê qualquer outra forma, documento ou instrumento, que possa ter ou desempenhar idêntica função, tenha o mesmo valor e produza os iguais efeitos jurídicos.

Temos assim que só a acta, aprovada na devida forma, “relata” autenticamente o ocorrido na reunião. E quanto a esse relato, os membros do órgão não se podem opor a que nele, nominativamente, sejam citados e dele constem as suas intervenções ou resumos das mesmas – a cujo conteúdo eles, aliás, podem sugerir alterações, a quando do momento da leitura e aprovação da acta, para melhor o fazerem corresponder ao que entendam ter nela sido dito e ocorrido, ou mesmo de ele dissentir, votando contra a aprovação da acta (ficando esta aprovada apenas pela maioria) e fazendo declaração de voto.

2.3. A tomada de som (gravação áudio), de imagem e de som e imagem (gravação vídeo) das/nas reuniões de órgãos colegiais, maxime, no caso que ora importa, de órgão deliberativo autárquico, não se encontra legislativamente prevista, nem em lugar algum a lei aborda essa questão.

Não parece, porém que, um tal registo, em qualquer das suas formas, possa ter lugar de forma livre e indiscriminada, por iniciativa de qualquer cidadão, mesmo que autarca e membro do órgão.

(…)

Ora, nas assembleias municipais, ainda que constitucional e legalmente públicas, é absolutamente vedado aos cidadãos presentes intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas, pelo que a sua participação no normal desenrolar dos trabalhos colegiais se limita à (mera) assistência, expectação ou testemunho (do trabalho) dos mesmos – mas tomando total e irrestrito conhecimento auditivo e visual do tudo quanto nestes seja dito ou mostrado – para além de, no decurso do período para intervenção e esclarecimento do público, os munícipes assistentes (ou melhor, quem quer que tenha assuntos de interesse ou conexionados com o município ou a actividade dos seus órgãos, pois que estas intervenções nem são reservadas apenas aos munícipes nem devem ser diletantes, mas antes, objectivas e pertinentes) podem interpelar directamente a assembleia (em regra, na pessoa do seu presidente, mas também os diversos membros) colocando questões e obtendo esclarecimentos e informações, do que deve ser feito expressa nota na acta da respectiva reunião após o relato dos assuntos incluídos na ordem do dia, através de uma referência sumária às eventuais intervenções do público na solicitação de esclarecimentos e às respostas dadas13.

Por outro lado, o ocorrido nas reuniões é igualmente acessível, a posteriori, através das actas das mesmas, aliás única forma que a lei considera autêntica e juridicamente eficaz de relatar os assuntos abordados e discutidos e as decisões (deliberações) nelas tomadas.

São, pois, estas as (duas) formas como se concretiza o direito fundamental informação no que toca às sessões públicas dos órgãos deliberativos das autarquias locais.

Neste âmbito, haverá ainda que levar ainda em conta, para além do referido, a informação veiculada pela comunicação social no quadro do exercício do direito dos jornalistas a informar e à liberdade de imprensa.

2.4. Em face de quanto fica dito, não pode deixar de se considerar que a gravação de som e de som e imagem das reuniões das assembleias não só não se encontra legalmente prevista e regulada como difere, ou melhor, não constitui, substancialmente, aquilo que a lei reputa como admissível (a presença de público) ou indispensável (elaboração e aprovação da acta) para, de modo juridicamente válido, ser acedido e reportado o conteúdo das reuniões dos órgãos deliberativos autárquicos.

Ainda que assim seja, poder-se-á considerar que, não obstante o silêncio da lei na matéria, o próprio órgão pode entender, por seu livre alvedrio14, que deve haver lugar à gravação das suas reuniões.

Neste caso, uma tal decisão sujeitá-lo-á naturalmente às disposições legais relativas à protecção de dados pessoais, em especial ao disposto na LPDP, pois que no caso e seja qual for o tipo de registo efectuado – apenas de som ou de imagem ou de som e imagem – se está, indubitavelmente, perante uma operação de tratamento de dados pessoais15, de que o órgão é o responsável pelo tratamento16, na medida em que é ele que determina as finalidades e meios de tratamento desses dados17.

1 Artigo 116.º, n.º 1, da Constituição da República (CRP). A este respeito dizem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição revista (reimp.), 2014, pág. 113, que o princípio da publicidade (…) é um princípio fundamental do direito constitucional, cujo sentido, no âmbito dos órgãos colegiais do tipo de assembleia, é o seguinte: (a) possibilidade jurídica de livre acesso das pessoas e órgãos de comunicação à sala das sessões; (b) proibição de reuniões secretas; (c) exigência de publicação das actas dos respectivos trabalhos. E mais dizem ainda que a base do princípio da publicidade é ainda o princípio democrático de fiscalização popular dos actos públicos e do direito à informação.

2 A CRP, ao abordar, no artigo 239.º, os órgãos do poder local, diz serem eles de dois tipos ou dupla natureza, uma assembleia eleita e um órgão executivo, que a lei posteriormente consagra nos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro. Em sentido idêntico, vd. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição… cit., pág. 113.

3 Artigo 49, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.

4 A possibilidade da presença de público nas sessões das assembleias deliberativas pode-se designar, neologísticamente, de “publicalidade”, de modo a diferenciá-la da publicidade das mesmas reuniões – entendendo-se por esta (publicidade) a divulgação da ocorrência ou realização da reunião ou sessão do órgão e do que nele se haja decidido e por aquela (publicalidade) como a qualidade relativa à sessão ou reunião de órgão que pode ser, ou não, assistida ou presenciada por pessoas estranhas ao mesmo (ou seja, presenciada por “público”).

5 Artigo 49, n.º 4, do RJAL.

6 Quanto aos órgãos executivos, as reuniões destes são, por regra, reservadas. Porém, a lei dispõe que deve ser promovida, pelo menos, uma reunião pública mensal (artigo 49, n.º 2, do RJAL), a qual fica sujeita a condicionalismos idênticos aos previstos, nesta matéria, aos das reuniões dos órgãos deliberativos. Esta mesma reserva constitui igualmente a regra geral quanto ao acesso do público (“publicalidade”) às reuniões dos órgãos da Administração, pois que também elas não são públicas – o que é por dizer que são reservadas aos seus membros – salvo no caso de previsão legal em contrário (artigo 27.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)).

7 Artigo 49, n.º 1, do RJAL.

8 Diz JORGE PAÇÃO, Os órgãos colegiais no Novo Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDES NEVES, TIAGO SERRÃO (coord.) Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2.ª reimp., 2015, pág. 203, que dá-se, deste modo, efetiva aplicação aos princípios da participação e colaboração (…) aquando do funcionamento dos órgãos colegiais, sendo que quanto ao modelo de intervenção adotado, consagra-se a “tripla capacidade interventiva”(…): divulgação, colaboração e esclarecimento, permitindo que o contributo dos assistentes à reunião seja significativo e com efetiva preponderância na formação da vontade do órgão colegial.

9 É quanto parece resultar da exigência legal de quórum de funcionamento e de deliberação dos órgãos colegiais autárquicos, que se verifica apenas quando neles esteja presente a maioria no número legal dos seus membros [sublinhado nosso] (artigo 54.º, n.º 1,0 da RJAL). Também o artigo 29.º do CPA acolhe idêntico princípio ao prever que os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto (n.º 1) e, em segunda convocatória, desde que esteja presente um terço dos seus membros com direito a voto (n.º 3) [sublinhados nossos].

10 Diz-se no artigo 37.º do Código Comercial, a respeito das actas das reuniões dos órgãos societários, que os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.

(…)

13 Artigo 49.º, n.º 6, do RJAL.

14 Decisão cuja aplicação prática deverá ser devidamente regulada no respectivo regimento.

15 No sentido resultante do previsto nas alíneas a) e b) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98.

16 À luz da definição contida na al. d) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98.

17 Artigo 3.º, al. d), da LPDP.

2.1.2. Sobre a possibilidade de gravação integral das reuniões de assembleia municipal por jornalista, afirmou-se igualmente em nosso outro parecer[2]:

2.2. Os direitos concedidos ao jornalista pelo seu estatuo

2.2.1. O estatuto do jornalista – e jornalistas são todos aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão11, ainda que não desenvolvam actividade jornalística quando se encontrem ao serviço de publicações que visem predominantemente promover actividades, produtos, serviços ou entidades de natureza comercial ou industrial12 – prevê que estes têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa13, aos quais não podem ser impedidos de entrar ou permanecer (…) quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei14.

Por outro lado, ainda no âmbito do direito de acesso aos locais públicos onde se possam recolher informações noticiosas, prevê a lei que os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade15.

Resumindo, o estatuto do jornalista assegura a estes a entrada e permanência nos lugares públicos onde pretendam exercer a sua actividade (ou seja, onde haja razão para cobertura informativa, para notícia) e garante aos órgãos de comunicação social o direito à utilização dos meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade informativa.

2.2.2. Porém, ao lado do direito de livre acesso aos locais públicos e de aí poderem recolher toda a informação que considerem pertinente, os jornalistas encontram-se também sujeitos ao dever de não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique16.

2.3. Os poderes da assembleia quanto à divulgação do conteúdo das suas reuniões

2.3.1. Como se disse antes, a assembleia municipal pode, no seu regimento, disciplinar a tomada de som e/ou imagem das suas reuniões, designadamente para fins jornalísticos.

Assim, pode a assembleia municipal, em previsão expressa no seu regimento, divulgada de forma evidente e visível no local onde sejam realizadas as suas reuniões17, deliberar que não seja permitida a recolha, por qualquer meio, de imagens e de som das respectivas sessões por terceiros18, ficando desse modo os jornalistas impedidos de o fazer, em observância do, e por respeito ao, seu dever de oficio, pois que contra essa limitação não podem invocar a verificação de um estado de necessidade justificante para a gravação, conforme é conformado na lei, já que o quadro permissivo que ela prevê só muito excepcionalmete, como é óbvio, se poderá verificar.

2.3.2. Esta limitação ou, mais claramente, esta compressão do direito dos jornalistas, apenas se verifica quanto à tomada de imagem e de som, mas já não quanto à tomada de apontamentos escritos de tudo quanto presenciem (vejam e ouçam) ou lhes chegue ao conhecimento e de, com base em tais elementos, produzir informação jornalística (notícias).

A este respeito será de relembrar que não só as reuniões da assembleia municipal são públicas – o que permite a quem quer que seja nelas estar presente e tomar conhecimento (presencial) dos assuntos tratadas e (do sentido) das deliberações tomadas – como não pode ser atribuído ao acto de aprovação da acta de uma reunião um caracter autorizatório ou permissivo do conhecimento e divulgação de quanto nela se passou (e que conste da acta), pois que, como se disse, não só a reunião é pública e, nessa medida, conhecido o seu desenrolar e os assuntos nela tratados por todos quanto nela sejam presentes, como a acta é apenas condição de eficácia (jurídica) das deliberações nela tomadas, o que significa unicamente que uma deliberação, antes de ser aprovada a acta da reunião onde haja sido tomada e de onde ela conste, não é juridicamente eficaz, apesar de ter sido tomada na forma devida e o seu conteúdo ser (do conhecimento) público19.

2.3.3. Assim, não se pode dizer que nas reuniões públicas dos órgãos colegiais a aprovação da acta seja requisito e condição para a divulgação e notícia do conteúdo da reunião a que respeite – pois que a sua publicidade, ou seja a sua acessibilidade pelo público em geral, é condição única para tal.

11 Artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista, constante da Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 64/2007, de 6 de Novembro, esta rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 114/2007, de 20 de Dezembro.

12 Artigo 1.º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista.

13 Artigo 9.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista.

14 Artigo 10.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista.

15 Artigo 10.º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista.

16 Artigo 14.º, n.º 2, al. f), do Estatuto do Jornalista.

17 E, eventualmente, comunicada directamente e por escrito ao(s) jornalista(s), para que não subsista qualquer dúvida ou possa ser alegado desconhecimento.

18 Não obstante esta proibição, o regimento da Assembleia Municipal pode prever que haja lugar à gravação (ex officio) das sessões do órgão através de meios próprios. Porém a conservação destas gravações transforma-as em documentos administrativos, acessíveis e acedíveis como tal, mormente após a aprovação da respectiva acta.

19 Vd. artigo 34.º, n.º 6, do CPA.  

2.3. Considerações adicionais

2.3.1. A juntar ao que fica dito, cabe ainda fazer uma referência às reuniões da câmara municipal, em especial no que toca à possibilidade de presença e intervenção do público nas mesmas.

2.3.1.1. Como antes já se deixou dito, apenas as reuniões dos órgãos colegiais que tenham a qualidade e funcionem como assembleia[3] e sejam considerados como órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local, é que, nos termos constitucionais, são públicas por natureza, implicando tal facto o livre acesso e permanência do público nas suas sessões, conquanto, em regra, esteja completamente vedado a este ter qualquer manifestação ou intervenção no decurso dos trabalhos, o que significar ser-lhe apenas permitida a (puraassistência – ou seja, poder ser espectador presencial dos trabalhos, vendo e ouvindo, mas nunca intervindo.

Porém, os órgãos executivos – e aqui, em especial, os órgãos executivos autárquicos, a saber, câmara municipal e junta de freguesia – ainda que sendo também órgãos colegiais, não têm, contudo, a natureza de assembleia. Ora, quanto a eles e em matéria de (presença de) público, vale o princípio, oposto ao vigente para as assembleias, plasmado no artigo 27.º, n.º 1, do CPA: as reuniões dos órgãos da Administração Pública não são públicas, salvo disposição legal em contrário [realce nosso].

Para o caso de as reuniões destes órgãos da administração serem públicas por expressa determinação legal nesse sentido, o n.º 3 do mesmo artigo 27.º do CPA prevê que os assistentes às reuniões públicas [possam] intervir para comunicar ou pedir informações, ou expressar opiniões, sobre assuntos relevantes da competência daquele, desde que a lei assim o preveja ou o próprio órgão delibere nesse sentido. Caso contrário – ou seja, caso a lei permita a presença de público mas não abra a possibilidade da sua intervenção, oral ou escrita, nas reuniões, nem esta seja autorizada pelo órgão – o público apenas poderá assistir, como espectador, ao desenrolar dos trabalhos, em situação idêntica à que lhe cabe nas assembleias.

Ora o Regime Jurídico das Autarquias Locais[4] prevê de modo expresso que os órgãos executivos autárquicos – seja, a câmara municipal e a junta de freguesia – realizem, pelo menos, uma reunião pública mensal – a qual deverá ser, no caso da câmara municipal, uma das reuniões ordinárias previstas no n.º 1 do artigo 40.º do RJAL – no decurso da qual, de acordo com a regulação que for estabelecida pelo próprio órgão para esse efeito, haverá lugar a um período para intervenção e esclarecimento do público[5] – o que significa que ela terá que ser uma reunião pública.

Esta reunião pública não o será apenas quanto ao período destinado às intervenções e esclarecimentos do público, mas sê-lo-á igualmente desde a abertura dos trabalhos até ao seu encerramento, em razão do que o público poderá estar presente durante todo o tempo da sua realização, ainda que apenas venha a poder intervir e ser respondido pelos edis unicamente durante o período temporal destinado para esse efeito. 

2.3.1.2. Considerando tudo quanto antes ficou dito, podemos, desde já, ir-nos aproximando de algumas conclusões dirigidas, visando a resposta às questões colocadas.

Uma dessas conclusões – que pode ser a primeira – é a de que a assistência do público à assembleia municipal e à reunião da câmara municipal tem esse exacto conteúdo e dimensão: o público é (considerado) mero espectador, ou seja é tido unicamente como aquele que, passivamente, presencia (testemunha) ou observa (observador) in loco o decurso da reunião.

A segunda conclusão é a de que essa presença e observação (passivas) do público se atinge apenas e exclusivamente de modo sensorial, comumente através da audição (ouvido) e da visão: o público, como testemunha e observador, pode ver e ouvir (não se crê que, no caso em apreço, possa haver lugar à intervenção de outros sentidos) tudo quanto se desenrola na reunião e pode guardar na sua memória (mais propriamente, na memoria de cada elemento do público) tudo quanto veja e ouça.

A lei aplicável, maxime, as leis aplicáveis, RJAL e CPA, não preveem – nem delas resulta ou se pode inferir, mesmo que indirectamente – que ao público presente às reuniões da assembleia municipal ou da câmara municipal caiba qualquer outra forma de participação que não a de presença como observador e testemunha, não lhe cabendo qualquer papel activo, outro que seja, para além da possibilidade de intervir e obter esclarecimentos nos períodos destinados para esse efeito.

Uma outra conclusão – a terceira – será assim a de que, face ao quadro de possibilidades de participação/intervenção que a lei reserva ao público, é de concluir que esta não prevê nem lhe permite outra diferente intervenção nas reuniões em haja lugar à sua presença – mormente a possibilidade de proceder à gravação das reuniões, integral ou mesmo parcial, quer através da tomada de som (gravação áudio) quer de som e imagem (gravação vídeo).

A possibilidade de gravação pelos membros do público das reuniões dos órgãos em causa – mesmo que restrita aos segmentos das reuniões abertos à intervenção do público ou só mesmo à gravação da própria intervenção por um elemento do público – não parece que, presentemente, se encontre contida ou pressuposta no quadro jurídico que define e permite essa presença.

Do facto de as reuniões serem públicas, por sua própria natureza ou por ser permitido, quanto a algumas delas, a presença de público, não resulta e, menos ainda, tal não implica necessariamente, a possibilidade de livre, incontrolada e, no limite, sistemática, gravação, integral ou parcial, das reuniões dos órgãos em apreço, pelo público que a elas possa assistir. A faculdade (o direito) que a lei concedo ao público é somente a da sua presença física, implicando a visão e audição de todo o desenrolar dos trabalhos – mas já não o seu armazenamento sonoro e/ou visual (ou seja a gravação do som e de imagens da reunião[6]).

As intervenções dos membros dos órgãos colegiais no decurso das reuniões dos órgãos e a interacção que se estabelece entre eles é a matéria de que que constitui o trabalho desses órgãos. Se todos os membros de um órgão colegial, estando presentes, se mantivessem mudos e quedos durante todo o tempo de reunião, não se poderia dizer que verdadeiramente tivesse existido qualquer reunião, pois que no espaço de tempo destinado para o efeito não houve qualquer manifestação de vontade de nenhum dos seus membros. Ora a vontade de um órgão colegial resulta – ainda que possa não ser a pura soma – das vontades expressas dos seus membros. Por essa razão os membros dos órgãos colegiais não podem evitar (ou proibir) que, nas reuniões públicas do órgão, as suas intervenções sejam presenciadas, ouvidas e vistas por todos os presentes (membros do órgão e público). Essa é, precisamente a natureza e qualidade intrínseca das sessões públicas: as intervenções dos membros do órgão podem ser presenciadas, ouvidas e vistas, por todos os presentes. A possibilidade de gravação (ou da sua proibição) de qualquer dessas intervenções não constitui, assim, um problema a se, que possa ser tratado e resolvido individual e isoladamente, mas antes se apresenta como inserido numa questão mais vasta e de natureza orgânica, que é a da possibilidade (ou não) da (livre) gravação dos trabalhos das reuniões públicas dos órgãos autárquicos.   

2.3.2. A mais do que já antes foi dito na matéria, há apenas que precisar alguns pontos sobre o acesso à informação pelos jornalistas.

Em primeiro lugar, os jornalistas, desde que para fins de cobertura informativa, têm direito de acesso a locais abertos ao público (ou a locais que não sendo acessíveis ao público, sejam-no, contudo, para a generalidade da comunicação social). Tal significa portanto que, para efeitos de recolha de informação, os jornalistas podem aceder às reuniões (aos locais das reuniões) públicas dos órgãos municipais, por se tratar de locais acessíveis ao, e acedíveis pelo, público.

Porém, no caso das reuniões reservadas da câmara municipal, já não há nelas, pela sua própria natureza de reservadas, lugar à presença do público, apenas nela participando os membros do próprio órgão (vereação) e, eventualmente, funcionários municipais, de modo coadjuvante. Ora, não se tratando então de local aberto ao público nem, à partida, de local acessível à generalidade da comunicação social, então resta concluir que não assiste aos jornalistas a possibilidade (o direito) de poderem presenciar as reuniões reservadas da câmara municipal para recolha de informação. 

2.3.3. Por fim – porque melhor que solucionar problemas é evitá-los – apenas sublinhar que os órgãos aqui em apreço – assembleia municipal e câmara municipal – têm a possibilidade de – ou melhor, devem – nos respectivos regimentos, prever e regular estas matérias de forma clara e precisa, como lhes cabe, estabelecendo o regime que o órgão, a cada momento[7], entenda dever ser observado em matéria de gravação das sessões do órgão por terceiros[8] (evidentemente, com estrito respeito pelo quadro legal vigente e aplicável) – de cujo regime deverá ser feita pública e ampla divulgação e aviso.

Só a regulação presente no regimento do órgão pode estabelecer e modular o regime a observar nesta matéria quer quanto a gravações e filmagem de reuniões públicas por terceiros (público ou jornalistas) quer no que toca à gravação oficial das mesmas (para efeito de elaboração de actas) e sua conservação[9].

Por outro lado o público presente e os jornalistas, sendo caso disso, devem ser clara e objectivamente informados e advertidos, em cada reunião, de qual a política adoptada pelo órgão em matéria de gravações das suas reuniões.

  

Concluindo

  1. As reuniões dos órgãos colegiais que tenham a qualidade e funcionem como assembleia e sejam órgãos do poder local são, nos termos constitucionais, públicas por natureza, implicando tal facto o livre acesso e permanência do público nas suas sessões.
  2. Não obstante a possibilidade de livre acesso e permanência de público nas sessões das assembleias municipais está-lhe completamente vedado, em regra, ter qualquer manifestação ou intervenção no decurso dos trabalhos, o que significar ser-lhe apenas permitida a (puraassistência – ou seja, poder ser espectador presencial dos trabalhos, vendo e ouvindo, mas nunca intervindo.
  3. Os órgãos executivos autárquicos – câmara municipal e junta de freguesia – ainda que sendo também órgãos colegiais, não têm natureza de assembleia, pelo que quanto a eles e em matéria de (presença de) público, vale o princípio, plasmado no artigo 27.º, n.º 1, do CPA, de que as reuniões dos órgãos da Administração Pública não são públicas, salvo disposição legal em contrário, conclusão que igualmente se extrai, a contrario, do disposto no artigo 49.º, n.º 2, do RJAL.
  4. A lei pode prever, como efectivamente prevê, que as reuniões (ou algumas reuniões) dos órgãos executivos autárquicos sejam públicas.
  5. No caso das reuniões dos órgãos executivos autárquicos serem públicas, o n.º 3 do artigo 27.º do CPA prevê a possibilidade dos assistentes às reuniões públicas nelas intervirem para comunicar ou pedir informações, ou expressar opiniões, sobre assuntos relevantes da competência daquele, desde que tal seja admitido na lei ou o próprio órgão delibere nesse sentido.
  6. No caso em que a lei permita a presença de público mas não abra a porta à possibilidade da sua intervenção, oral ou escrita, nas reuniões dos órgãos executivos, nem esta seja autorizada pelo próprio órgão, então o público apenas poderá assistir, como espectador, ao desenrolar dos trabalhos, em situação idêntica à que lhe cabe nas assembleias.
  7. O Regime Jurídico das Autarquias Locais prevê que os órgãos executivos autárquicos, câmara municipal e junta de freguesia, realizem, pelo menos, uma reunião pública mensal, a qual, no caso da câmara municipal, deverá ser uma das reuniões ordinárias previstas no n.º 1 do artigo 40.º do RJAL
  8. No decurso desta reunião pública e de acordo com a regulação que for estabelecida pelo próprio órgão para o efeito, haverá lugar a um período para intervenção e esclarecimento do público.
  9. Esta reunião pública não o será apenas quanto ao período destinado às intervenções e esclarecimentos do público, mas sê-lo-á igualmente desde a abertura dos trabalhos até ao seu encerramento, em razão do que o público poderá estar presente durante todo o tempo da sua realização, ainda que apenas venha a poder intervir e ser respondido pelos edis unicamente durante o período temporal destinado para esse efeito.
  10. assistência do público às sessões da assembleia municipal e às reuniões da câmara municipal tem o exacto conteúdo e dimensão de o público ser considerado como mero espectador, ou seja, passivamente presencia (testemunha) e observa (observador) in loco o decorrer da reunião.
  11. O público, como testemunha e observador, pode ver e ouvir tudo quanto se desenrola na reunião e pode guardar na sua memória (na memoria de cada elemento do público) tudo quanto veja e ouça.
  12. Das normas do RJAL ou do CPA (ou outras) aplicáveis, não resulta ou se pode inferir, mesmo que indirectamente, que ao público possa caber qualquer outra forma de participação que não a de presença como observador e testemunha.
  13. Face ao quadro de possibilidades de participação/intervenção que a lei reserva ao público, é de concluir que esta não prevê nem lhe permite outra diferente intervenção nas reuniões em haja lugar à sua presença, mormente a possibilidade de proceder à sua gravação, integral ou só parcial, quer de som (gravação áudio) quer de som e imagem (gravação vídeo).
  14. A possibilidade de gravação pelos membros do público das reuniões dos órgãos em causa – mesmo que restrita aos segmentos das reuniões abertos à intervenção do público ou só mesmo à gravação da própria intervenção por um elemento do público – não parece que, presentemente, se encontre contida, admitida ou pressuposta no quadro jurídico que define e permite essa presença.
  15. Do facto de as reuniões serem públicas, por natureza ou por ser permitida a presença de público, não resulta nem tal implica necessariamente a possibilidade de livre, incontrolada e, no limite, sistemática, gravação, integral ou parcial, dessas reuniões, pelo público presente, pois que a faculdade (o direito) que a lei concedo ao público é unicamente a da sua presença física, testemunhando todo o desenrolar dos trabalhos, mas já não o armazenamento sonoro e/ou visual da reunião.
  16. As intervenções dos membros dos órgãos colegiais no decurso das reuniões dos órgãos e a interacção que se estabelece entre eles é a matéria de que que constitui o trabalho desses órgãos, pelo que os membros dos órgãos colegiais não podem evitar (ou proibir) que, nas reuniões públicas, as suas intervenções sejam presenciadas, ouvidas e vistas por todos os presentes porque essa é, precisamente a natureza e qualidade intrínseca das sessões públicas.
  17. A possibilidade de gravação (ou da sua proibição) de qualquer dessas intervenções antes referidas não constitui, assim, um problema a se, que possa ser tratado e resolvido individual e isoladamente, mas antes se apresenta como inserido numa questão mais vasta e de natureza orgânica, que é a da possibilidade (ou não) da (livre) gravação dos trabalhos das reuniões públicas dos órgãos autárquicos.
  18. Os jornalistas, desde que para fins de cobertura informativa, têm direito de acesso a locais abertos ao público (ou a locais que não sendo acessíveis ao público, sejam-no, contudo, para a generalidade da comunicação social). Tal significa portanto que, para efeitos de recolha de informação, os jornalistas podem aceder às reuniões (aos locais das reuniões) públicas dos órgãos municipais, por se tratar de locais acessíveis ao, e acedíveis pelo, público.
  19. Por seu lado, os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade.
  20. Contudo os jornalistas encontram-se também sujeitos ao dever de não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique.
  21. Os órgãos colegais autárquicos podem, prevendo-o expressamente no seu regimento, deliberar que não seja permitida a recolha, por qualquer meio, de imagens e de som das respectivas sessões por terceiros, designadamente jornalistas, ficando estes, desse modo, impedidos de o fazer, em observância do e por respeito ao seu dever de oficio.
  22. Tal não significa que os jornalistas não possam continuar a tomar, como tradicionalmente, apontamento escrito de tudo quanto presenciem (vejam e ouçam) ou lhes chegue ao conhecimento e de, com base em tais elementos, produzir informação jornalística (notícias).
  23. Nas reuniões reservadas da câmara municipal, por essa própria natureza, não há lugar à presença do público, nelas estando presentes apenas os membros do próprio órgão (vereação) e, eventualmente, funcionários municipais, com funções coadjuvantes.
  24. Não se tratando, nesse caso, de local aberto ao público nem, à partida, de local acessível à generalidade da comunicação social, resta então concluir que não assiste aos jornalistas a possibilidade de poderem presenciar as reuniões reservadas da câmara municipal para recolha de informação.
  25. Do mesmo modo e por maioria de razão não podem terceiros, por sua própria iniciativa, estar presente e proceder à gravação ou filmagem das reuniões.
  26. A assembleia municipal e câmara municipal têm o poder de prever e regular nos respectivos regimentos, estas matérias, estabelecendo o regime que o órgão entenda dever vigorar em matéria de gravação das suas reuniões por terceiros (público ou jornalistas), quer no que toca à gravação oficial das mesmas (para efeito de elaboração de actas) e sua conservação.
  27. Quer o público presente quer os jornalistas, sendo caso disso, devem ser clara e objectivamente informados e advertidos, em cada reunião, de qual a política adoptada pelo órgão em matéria de gravações das suas reuniões.

  

Salvo semper meliori judicio

 

 Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

[1] Parecer DSAJAL 32/16, de 10 de Fevereiro de 2016.

[2] Parecer DSAJAL 118/16, de 27 de Junho de 2016.

[3] Diz Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, tomo V – Actividade Constitucional do Estado, 3.ª edição, 2004, pág. 78 e seg.) que na acepção mais geral, assembleia é qualquer reunião de pessoas, mais ou menos numerosa e estável, sempre predeterminada por normas jurídicas, com vista à prática de certos actos ou actividades.

As assembleias não são produto de liberdade de reunião. São expressão de poder (ou de liberdade de associação, quando se trate de assembleias de associações e formações análogas); e são expressões de poder público, quando se trate de assembleias de Direito constitucional e administrativo (ainda que ligadas a um princípio de participação); só o sentido imprimido pelas normas habilita a distinguir.

(…) numa acepção restrita e específica, assembleia vem a ser uma categoria de órgãos colegiais definida não tanto pela sua extensão quanto pelo regime peculiar que preside à sua composição e pelas funções que lhe andam conexas.[realce nosso]

Há assembleias que não chegam a ser órgãos, que não se elevam a centros institucionalizados de criação e manifestação de uma vontade jurídica imediata ou a se e há assembleias próprio sensu, as quais recebem, a par de outros órgãos competências dentro do Estado (ou, sendo caso disso, de outras entidades públicas ou privadas). Entre as primeiras contam-se as assembleias de voto nos sistemas representativos; entre as segundas, os Parlamentos e as demais assembleias políticas e administrativas.

[4] Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, rectificado pelas Declarações de Rectificação n.º 46-C/2013, de 1 de Novembro, e n.º 50‑A/2013, de 11 de Novembro, e alterada pela Lei n.º 25/2015, de 30 de Março, Lei n.º 69/2015, de 16 de Julho e Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

[5] Artigo 49.º, n.º 2, do RJAL.

[6] Ou de várias reuniões, o que pode prefigurar uma situação de tratamento de dados pessoais, que se encontra sujeita a especiais restrições e condicionantes e exige sempre prévia autorização.

[7] É evidente que o regime (ou qualquer dos seus aspectos) que venha a ser regimentalmente estabelecido pode, posteriormente e a todo o tempo, ser modificado pelo órgão, em qualquer sentido (seja, no limite, passar da permissão para a proibição e vice-versa) no respeito do quadro legal vigente, através da figura da alteração do regimento.

[8] Também seria positivo que, sendo caso disso, fosse também normativamente disciplinado o regime aplicável à gravação das sessões ex officio, pelo próprio órgão, caso a elas haja lugar.

[9] De sublinhar que não só a gravação de uma reunião de qualquer órgão constitui um documento administrativo, integralmente acedível nos termos em que o são todos os demais documentos administrativos (designadamente através de cópia), como a realização e conservação dessas gravações pode constituir um tratamento de dados pessoais, implicando prévia autorização para poder ser legalmente efectuado.

Home Pareceres Jurídicos até 2017 Gravação das Reuniões da Assembleia e da Câmara Municipal.

Gravação das Reuniões da Assembleia e da Câmara Municipal.

Gravação das Reuniões da Assembleia e da Câmara Municipal.

 

Solicita o Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício de …, referência n.º …, a emissão de parecer sobre as seguintes questões:

  1. É possível nas sessões da Assembleia Municipal, que por natureza são públicas, que terceiros, designadamente jornalistas ou outros, procedam à gravação integral dos trabalhos e intervenções dos Senhores Membros da Assembleia e dos Senhores Membros do Executivo Municipal?
  2. Em caso afirmativo – poder ser feita gravação integral da sessão -, pode qualquer dos Membros da Assembleia ou do Executivo, impedir que a sua intervenção seja gravada, dando nota expressa dessa vontade à Mesa da Assembleia?
  3. O Órgão Executivo tem mensalmente duas reuniões. Uma dessas reuniões é pública, com um período para intervenção e esclarecimento do público. Esta reunião pública mensal pode ser integralmente gravada por terceiros, designadamente por jornalistas ou outros?
  4. Na reunião mensal sem período para intervenção e esclarecimento do público pode ser feita a sua gravação por terceiros, designadamente por jornalistas ou outros?

Para os efeitos previstos no n. ° 2 do artigo 2.° da Portaria n.° 314/2010 de 14 de Junho, adianta-se que o parecer interno dos serviços da Câmara Municipal é o seguinte:

  1. a) O artigo 49.° da Lei 75/2013, de 12.09 (regime jurídico das autarquias locais) consagra o carácter público das sessões dos órgãos deliberativos das autarquias e a possibilidade de, no seu regimento, se fixar um período de intervenção e esclarecimento ao público;
  2. b) Quanto aos órgãos executivos, o mesmo artigo consagra a realização de, pelo menos, uma reunião pública mensal;
  3. c) Ali se estabelece ainda que nenhum cidadão pode intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tornadas;
  4. d) Porém, quanto à possibilidade de gravação integra! das assembleias municipais por terceiros ou jornalistas, quer a referida Lei, quer o Regimento da Assembleia Municipal de … são omissos;
  5. e) Da secção VIII do Regimento (“Da publicidade dos trabalhos e dos atos da Assembleia”) parece resultar que a publicidade é assegurada pelas atas e pela publicação das deliberações em DR (quando a lei o determine) e em edital, no sítio da internei, no boletim da autarquia e em jornais regionais (se verificados certos requisitos);
  6. f) por sua vez. o Estatuto do Jornalista (Lei 64/2007 de 06.11, que alterou a Lei 1/99 de 13.01), consagra para a Administração Pública, o dever de assegurar aos Jornalistas o acesso às fontes de informação (artigo 8.°);
  7. g) o mesmo diploma consagra aos jornalistas (artigos 9.° e 10.°), o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa (portanto, no exercício da atividade profissional), podendo os órgãos de comunicação social utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua atividade;
  8. h) no entanto, o artigo 14.° fixa aos jornalistas deveres vários, designadamente o de não recolher imagens/sons com recurso a meios não autorizados (exceto em caso de estado de necessidade) e o de se identificar como Jornalista (salvo razões de interesse público);
  9. i) do exposto parece resultar que os jornalistas não podem recolher som e imagem, nas reuniões dos órgãos deliberativo e executivo se não tiverem prévia autorização para tal;
  10. J) no caso das gravações por terceiros não identificados como Jornalistas, desconhece-se previsão legal, pelo que, por maioria de razão, devem ser proibidas;
  11. k) Quanto a saber se pode ser feita gravação integral da sessão quando um dos Membros da Assembleia ou do Executivo impedir a gravação da sua intervenção, entende-se que a resposta há-de ser negativa, a menos que, no caso do órgão deliberativo, o respetivo Regimento tenha admitido a gravação integral das reuniões;

  

Apreciando

  1. Do pedido

No presente pedido são colocadas quatro questões atinentes à admissibilidade da (livre) gravação das sessões da assembleia municipal e das reuniões da câmara municipal, por terceiros, membros do público ou jornalistas.

Cuidar-se-á assim de saber se nas sessões e reuniões públicas da assembleia municipal e da câmara municipal, é admissível a sua gravação integral por terceiras pessoas ou jornalistas, sem dependência de qualquer (prévia) autorização, e sendo-o, se na assembleia municipal qualquer seu membro ou elemento da câmara municipal nela presente pode vedar, proibindo, a gravação das suas intervenções.

Esclarecer-se-á ainda se na reunião reservada (privada) da câmara municipal, pode haver lugar à sua gravação por jornalistas ou terceiras pessoas.

 

  1. Análise

2.1. Quadro geral

2.1.1. A matéria em apreço já foi abordada em nosso anterior parecer[1], que ora se retoma nos segmentos que para aqui importam:

(…)

2.1. A Constituição estabelece como regra que as reuniões das assembleias que funcionem como órgãos (…) do poder local são públicas, excepto nos casos previstos na lei1. Ao referir-se a reuniões das assembleias, a norma constitucional, em matéria de poder local, dirige-se (apenas) aos órgãos considerados “assembleias”, a saber, assembleia municipal e assembleia de freguesia2.

Assim, na administração autárquica – municípios e freguesias – a regra relativa às sessões dos seus órgãos deliberativos é a de que são públicas3.

Esta abertura à presença de público4 não significa, contudo, liberdade de participação ou de intervenção deste nos debates e nos trabalhos das assembleias. É que a mesma lei que prevê a possibilidade dessa presença determina igualmente que a nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas5. O público é, assim, considerado mero assistente, podendo estar presente, ver e ouvir tudo quanto se debate, mas sendo-lhe vedado ter outra qualquer intervenção para além disso.

Porém, não obstante este princípio de mera presença e assistência aos trabalhos, a lei prevê a possibilidade da existência, no decurso da sessão, de um período para intervenção e esclarecimento do público, cuja concreta disciplina cabe ser estabelecida pelo regimento do órgão6.

Assim, o regimento do órgão deliberativo deve cuidar da previsão, na agenda dos trabalhos, de um período destinado a intervenções e esclarecimento do público7, no decurso do qual este pode interpelar directamente o órgão, colocando questões, e dele obter esclarecimentos e informações8.

2.2. A velha regra (a “tradição”), neste âmbito, é a de que as reuniões decorrem com a presença física dos seus membros9 – e não através de videoconferência.

Ainda que podendo ser suportada em documentos escritos, a reunião decorre sempre de forma oral, pessoal e directa, não havendo qualquer intermediação entre os membros que nela intervenham (ou seja, “falem”) e o colégio a quem se dirigem, ressalvadas as indicações destinadas a assegurar a “boa ordem” no decurso dos trabalhos que ao presidente cabe assegurar, dirigindo-se, assim, o orador directamente ao colégio e por ele (por cada um dos seus membros) podendo ser interpelado.

A memória futura de tudo quanto se passa nas reuniões dos órgãos colegiais – e o instrumento (documento) que garante a produção de efeitos jurídicos (eficácia jurídica) de tudo quanto nelas seja deliberado – é, nos termos da lei, assegurada unicamente pelas actas das reuniões.

acta da reunião (de qualquer reunião de órgão colegial, quer no âmbito de entes públicos quer de privados10) é, na definição do CPA, um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente, cujo conteúdo – ou seja, o relato de tudo quanto haja ocorrido na reunião e seja relevante para o órgão – é consensualizado, aceite e aprovado pelos membros do órgão que nela estiveram presentes, tendo então tido ou não qualquer intervenção.

A lei não prevê qualquer outra forma, documento ou instrumento, que possa ter ou desempenhar idêntica função, tenha o mesmo valor e produza os iguais efeitos jurídicos.

Temos assim que só a acta, aprovada na devida forma, “relata” autenticamente o ocorrido na reunião. E quanto a esse relato, os membros do órgão não se podem opor a que nele, nominativamente, sejam citados e dele constem as suas intervenções ou resumos das mesmas – a cujo conteúdo eles, aliás, podem sugerir alterações, a quando do momento da leitura e aprovação da acta, para melhor o fazerem corresponder ao que entendam ter nela sido dito e ocorrido, ou mesmo de ele dissentir, votando contra a aprovação da acta (ficando esta aprovada apenas pela maioria) e fazendo declaração de voto.

2.3. A tomada de som (gravação áudio), de imagem e de som e imagem (gravação vídeo) das/nas reuniões de órgãos colegiais, maxime, no caso que ora importa, de órgão deliberativo autárquico, não se encontra legislativamente prevista, nem em lugar algum a lei aborda essa questão.

Não parece, porém que, um tal registo, em qualquer das suas formas, possa ter lugar de forma livre e indiscriminada, por iniciativa de qualquer cidadão, mesmo que autarca e membro do órgão.

(…)

Ora, nas assembleias municipais, ainda que constitucional e legalmente públicas, é absolutamente vedado aos cidadãos presentes intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas, pelo que a sua participação no normal desenrolar dos trabalhos colegiais se limita à (mera) assistência, expectação ou testemunho (do trabalho) dos mesmos – mas tomando total e irrestrito conhecimento auditivo e visual do tudo quanto nestes seja dito ou mostrado – para além de, no decurso do período para intervenção e esclarecimento do público, os munícipes assistentes (ou melhor, quem quer que tenha assuntos de interesse ou conexionados com o município ou a actividade dos seus órgãos, pois que estas intervenções nem são reservadas apenas aos munícipes nem devem ser diletantes, mas antes, objectivas e pertinentes) podem interpelar directamente a assembleia (em regra, na pessoa do seu presidente, mas também os diversos membros) colocando questões e obtendo esclarecimentos e informações, do que deve ser feito expressa nota na acta da respectiva reunião após o relato dos assuntos incluídos na ordem do dia, através de uma referência sumária às eventuais intervenções do público na solicitação de esclarecimentos e às respostas dadas13.

Por outro lado, o ocorrido nas reuniões é igualmente acessível, a posteriori, através das actas das mesmas, aliás única forma que a lei considera autêntica e juridicamente eficaz de relatar os assuntos abordados e discutidos e as decisões (deliberações) nelas tomadas.

São, pois, estas as (duas) formas como se concretiza o direito fundamental informação no que toca às sessões públicas dos órgãos deliberativos das autarquias locais.

Neste âmbito, haverá ainda que levar ainda em conta, para além do referido, a informação veiculada pela comunicação social no quadro do exercício do direito dos jornalistas a informar e à liberdade de imprensa.

2.4. Em face de quanto fica dito, não pode deixar de se considerar que a gravação de som e de som e imagem das reuniões das assembleias não só não se encontra legalmente prevista e regulada como difere, ou melhor, não constitui, substancialmente, aquilo que a lei reputa como admissível (a presença de público) ou indispensável (elaboração e aprovação da acta) para, de modo juridicamente válido, ser acedido e reportado o conteúdo das reuniões dos órgãos deliberativos autárquicos.

Ainda que assim seja, poder-se-á considerar que, não obstante o silêncio da lei na matéria, o próprio órgão pode entender, por seu livre alvedrio14, que deve haver lugar à gravação das suas reuniões.

Neste caso, uma tal decisão sujeitá-lo-á naturalmente às disposições legais relativas à protecção de dados pessoais, em especial ao disposto na LPDP, pois que no caso e seja qual for o tipo de registo efectuado – apenas de som ou de imagem ou de som e imagem – se está, indubitavelmente, perante uma operação de tratamento de dados pessoais15, de que o órgão é o responsável pelo tratamento16, na medida em que é ele que determina as finalidades e meios de tratamento desses dados17.

1 Artigo 116.º, n.º 1, da Constituição da República (CRP). A este respeito dizem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição revista (reimp.), 2014, pág. 113, que o princípio da publicidade (…) é um princípio fundamental do direito constitucional, cujo sentido, no âmbito dos órgãos colegiais do tipo de assembleia, é o seguinte: (a) possibilidade jurídica de livre acesso das pessoas e órgãos de comunicação à sala das sessões; (b) proibição de reuniões secretas; (c) exigência de publicação das actas dos respectivos trabalhos. E mais dizem ainda que a base do princípio da publicidade é ainda o princípio democrático de fiscalização popular dos actos públicos e do direito à informação.

2 A CRP, ao abordar, no artigo 239.º, os órgãos do poder local, diz serem eles de dois tipos ou dupla natureza, uma assembleia eleita e um órgão executivo, que a lei posteriormente consagra nos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro. Em sentido idêntico, vd. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição… cit., pág. 113.

3 Artigo 49, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.

4 A possibilidade da presença de público nas sessões das assembleias deliberativas pode-se designar, neologísticamente, de “publicalidade”, de modo a diferenciá-la da publicidade das mesmas reuniões – entendendo-se por esta (publicidade) a divulgação da ocorrência ou realização da reunião ou sessão do órgão e do que nele se haja decidido e por aquela (publicalidade) como a qualidade relativa à sessão ou reunião de órgão que pode ser, ou não, assistida ou presenciada por pessoas estranhas ao mesmo (ou seja, presenciada por “público”).

5 Artigo 49, n.º 4, do RJAL.

6 Quanto aos órgãos executivos, as reuniões destes são, por regra, reservadas. Porém, a lei dispõe que deve ser promovida, pelo menos, uma reunião pública mensal (artigo 49, n.º 2, do RJAL), a qual fica sujeita a condicionalismos idênticos aos previstos, nesta matéria, aos das reuniões dos órgãos deliberativos. Esta mesma reserva constitui igualmente a regra geral quanto ao acesso do público (“publicalidade”) às reuniões dos órgãos da Administração, pois que também elas não são públicas – o que é por dizer que são reservadas aos seus membros – salvo no caso de previsão legal em contrário (artigo 27.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)).

7 Artigo 49, n.º 1, do RJAL.

8 Diz JORGE PAÇÃO, Os órgãos colegiais no Novo Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDES NEVES, TIAGO SERRÃO (coord.) Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2.ª reimp., 2015, pág. 203, que dá-se, deste modo, efetiva aplicação aos princípios da participação e colaboração (…) aquando do funcionamento dos órgãos colegiais, sendo que quanto ao modelo de intervenção adotado, consagra-se a “tripla capacidade interventiva”(…): divulgação, colaboração e esclarecimento, permitindo que o contributo dos assistentes à reunião seja significativo e com efetiva preponderância na formação da vontade do órgão colegial.

9 É quanto parece resultar da exigência legal de quórum de funcionamento e de deliberação dos órgãos colegiais autárquicos, que se verifica apenas quando neles esteja presente a maioria no número legal dos seus membros [sublinhado nosso] (artigo 54.º, n.º 1,0 da RJAL). Também o artigo 29.º do CPA acolhe idêntico princípio ao prever que os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto (n.º 1) e, em segunda convocatória, desde que esteja presente um terço dos seus membros com direito a voto (n.º 3) [sublinhados nossos].

10 Diz-se no artigo 37.º do Código Comercial, a respeito das actas das reuniões dos órgãos societários, que os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.

(…)

13 Artigo 49.º, n.º 6, do RJAL.

14 Decisão cuja aplicação prática deverá ser devidamente regulada no respectivo regimento.

15 No sentido resultante do previsto nas alíneas a) e b) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98.

16 À luz da definição contida na al. d) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98.

17 Artigo 3.º, al. d), da LPDP.

2.1.2. Sobre a possibilidade de gravação integral das reuniões de assembleia municipal por jornalista, afirmou-se igualmente em nosso outro parecer[2]:

2.2. Os direitos concedidos ao jornalista pelo seu estatuo

2.2.1. O estatuto do jornalista – e jornalistas são todos aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão11, ainda que não desenvolvam actividade jornalística quando se encontrem ao serviço de publicações que visem predominantemente promover actividades, produtos, serviços ou entidades de natureza comercial ou industrial12 – prevê que estes têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa13, aos quais não podem ser impedidos de entrar ou permanecer (…) quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei14.

Por outro lado, ainda no âmbito do direito de acesso aos locais públicos onde se possam recolher informações noticiosas, prevê a lei que os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade15.

Resumindo, o estatuto do jornalista assegura a estes a entrada e permanência nos lugares públicos onde pretendam exercer a sua actividade (ou seja, onde haja razão para cobertura informativa, para notícia) e garante aos órgãos de comunicação social o direito à utilização dos meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade informativa.

2.2.2. Porém, ao lado do direito de livre acesso aos locais públicos e de aí poderem recolher toda a informação que considerem pertinente, os jornalistas encontram-se também sujeitos ao dever de não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique16.

2.3. Os poderes da assembleia quanto à divulgação do conteúdo das suas reuniões

2.3.1. Como se disse antes, a assembleia municipal pode, no seu regimento, disciplinar a tomada de som e/ou imagem das suas reuniões, designadamente para fins jornalísticos.

Assim, pode a assembleia municipal, em previsão expressa no seu regimento, divulgada de forma evidente e visível no local onde sejam realizadas as suas reuniões17, deliberar que não seja permitida a recolha, por qualquer meio, de imagens e de som das respectivas sessões por terceiros18, ficando desse modo os jornalistas impedidos de o fazer, em observância do, e por respeito ao, seu dever de oficio, pois que contra essa limitação não podem invocar a verificação de um estado de necessidade justificante para a gravação, conforme é conformado na lei, já que o quadro permissivo que ela prevê só muito excepcionalmete, como é óbvio, se poderá verificar.

2.3.2. Esta limitação ou, mais claramente, esta compressão do direito dos jornalistas, apenas se verifica quanto à tomada de imagem e de som, mas já não quanto à tomada de apontamentos escritos de tudo quanto presenciem (vejam e ouçam) ou lhes chegue ao conhecimento e de, com base em tais elementos, produzir informação jornalística (notícias).

A este respeito será de relembrar que não só as reuniões da assembleia municipal são públicas – o que permite a quem quer que seja nelas estar presente e tomar conhecimento (presencial) dos assuntos tratadas e (do sentido) das deliberações tomadas – como não pode ser atribuído ao acto de aprovação da acta de uma reunião um caracter autorizatório ou permissivo do conhecimento e divulgação de quanto nela se passou (e que conste da acta), pois que, como se disse, não só a reunião é pública e, nessa medida, conhecido o seu desenrolar e os assuntos nela tratados por todos quanto nela sejam presentes, como a acta é apenas condição de eficácia (jurídica) das deliberações nela tomadas, o que significa unicamente que uma deliberação, antes de ser aprovada a acta da reunião onde haja sido tomada e de onde ela conste, não é juridicamente eficaz, apesar de ter sido tomada na forma devida e o seu conteúdo ser (do conhecimento) público19.

2.3.3. Assim, não se pode dizer que nas reuniões públicas dos órgãos colegiais a aprovação da acta seja requisito e condição para a divulgação e notícia do conteúdo da reunião a que respeite – pois que a sua publicidade, ou seja a sua acessibilidade pelo público em geral, é condição única para tal.

11 Artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista, constante da Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 64/2007, de 6 de Novembro, esta rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 114/2007, de 20 de Dezembro.

12 Artigo 1.º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista.

13 Artigo 9.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista.

14 Artigo 10.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista.

15 Artigo 10.º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista.

16 Artigo 14.º, n.º 2, al. f), do Estatuto do Jornalista.

17 E, eventualmente, comunicada directamente e por escrito ao(s) jornalista(s), para que não subsista qualquer dúvida ou possa ser alegado desconhecimento.

18 Não obstante esta proibição, o regimento da Assembleia Municipal pode prever que haja lugar à gravação (ex officio) das sessões do órgão através de meios próprios. Porém a conservação destas gravações transforma-as em documentos administrativos, acessíveis e acedíveis como tal, mormente após a aprovação da respectiva acta.

19 Vd. artigo 34.º, n.º 6, do CPA.  

2.3. Considerações adicionais

2.3.1. A juntar ao que fica dito, cabe ainda fazer uma referência às reuniões da câmara municipal, em especial no que toca à possibilidade de presença e intervenção do público nas mesmas.

2.3.1.1. Como antes já se deixou dito, apenas as reuniões dos órgãos colegiais que tenham a qualidade e funcionem como assembleia[3] e sejam considerados como órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local, é que, nos termos constitucionais, são públicas por natureza, implicando tal facto o livre acesso e permanência do público nas suas sessões, conquanto, em regra, esteja completamente vedado a este ter qualquer manifestação ou intervenção no decurso dos trabalhos, o que significar ser-lhe apenas permitida a (puraassistência – ou seja, poder ser espectador presencial dos trabalhos, vendo e ouvindo, mas nunca intervindo.

Porém, os órgãos executivos – e aqui, em especial, os órgãos executivos autárquicos, a saber, câmara municipal e junta de freguesia – ainda que sendo também órgãos colegiais, não têm, contudo, a natureza de assembleia. Ora, quanto a eles e em matéria de (presença de) público, vale o princípio, oposto ao vigente para as assembleias, plasmado no artigo 27.º, n.º 1, do CPA: as reuniões dos órgãos da Administração Pública não são públicas, salvo disposição legal em contrário [realce nosso].

Para o caso de as reuniões destes órgãos da administração serem públicas por expressa determinação legal nesse sentido, o n.º 3 do mesmo artigo 27.º do CPA prevê que os assistentes às reuniões públicas [possam] intervir para comunicar ou pedir informações, ou expressar opiniões, sobre assuntos relevantes da competência daquele, desde que a lei assim o preveja ou o próprio órgão delibere nesse sentido. Caso contrário – ou seja, caso a lei permita a presença de público mas não abra a possibilidade da sua intervenção, oral ou escrita, nas reuniões, nem esta seja autorizada pelo órgão – o público apenas poderá assistir, como espectador, ao desenrolar dos trabalhos, em situação idêntica à que lhe cabe nas assembleias.

Ora o Regime Jurídico das Autarquias Locais[4] prevê de modo expresso que os órgãos executivos autárquicos – seja, a câmara municipal e a junta de freguesia – realizem, pelo menos, uma reunião pública mensal – a qual deverá ser, no caso da câmara municipal, uma das reuniões ordinárias previstas no n.º 1 do artigo 40.º do RJAL – no decurso da qual, de acordo com a regulação que for estabelecida pelo próprio órgão para esse efeito, haverá lugar a um período para intervenção e esclarecimento do público[5] – o que significa que ela terá que ser uma reunião pública.

Esta reunião pública não o será apenas quanto ao período destinado às intervenções e esclarecimentos do público, mas sê-lo-á igualmente desde a abertura dos trabalhos até ao seu encerramento, em razão do que o público poderá estar presente durante todo o tempo da sua realização, ainda que apenas venha a poder intervir e ser respondido pelos edis unicamente durante o período temporal destinado para esse efeito. 

2.3.1.2. Considerando tudo quanto antes ficou dito, podemos, desde já, ir-nos aproximando de algumas conclusões dirigidas, visando a resposta às questões colocadas.

Uma dessas conclusões – que pode ser a primeira – é a de que a assistência do público à assembleia municipal e à reunião da câmara municipal tem esse exacto conteúdo e dimensão: o público é (considerado) mero espectador, ou seja é tido unicamente como aquele que, passivamente, presencia (testemunha) ou observa (observador) in loco o decurso da reunião.

A segunda conclusão é a de que essa presença e observação (passivas) do público se atinge apenas e exclusivamente de modo sensorial, comumente através da audição (ouvido) e da visão: o público, como testemunha e observador, pode ver e ouvir (não se crê que, no caso em apreço, possa haver lugar à intervenção de outros sentidos) tudo quanto se desenrola na reunião e pode guardar na sua memória (mais propriamente, na memoria de cada elemento do público) tudo quanto veja e ouça.

A lei aplicável, maxime, as leis aplicáveis, RJAL e CPA, não preveem – nem delas resulta ou se pode inferir, mesmo que indirectamente – que ao público presente às reuniões da assembleia municipal ou da câmara municipal caiba qualquer outra forma de participação que não a de presença como observador e testemunha, não lhe cabendo qualquer papel activo, outro que seja, para além da possibilidade de intervir e obter esclarecimentos nos períodos destinados para esse efeito.

Uma outra conclusão – a terceira – será assim a de que, face ao quadro de possibilidades de participação/intervenção que a lei reserva ao público, é de concluir que esta não prevê nem lhe permite outra diferente intervenção nas reuniões em haja lugar à sua presença – mormente a possibilidade de proceder à gravação das reuniões, integral ou mesmo parcial, quer através da tomada de som (gravação áudio) quer de som e imagem (gravação vídeo).

A possibilidade de gravação pelos membros do público das reuniões dos órgãos em causa – mesmo que restrita aos segmentos das reuniões abertos à intervenção do público ou só mesmo à gravação da própria intervenção por um elemento do público – não parece que, presentemente, se encontre contida ou pressuposta no quadro jurídico que define e permite essa presença.

Do facto de as reuniões serem públicas, por sua própria natureza ou por ser permitido, quanto a algumas delas, a presença de público, não resulta e, menos ainda, tal não implica necessariamente, a possibilidade de livre, incontrolada e, no limite, sistemática, gravação, integral ou parcial, das reuniões dos órgãos em apreço, pelo público que a elas possa assistir. A faculdade (o direito) que a lei concedo ao público é somente a da sua presença física, implicando a visão e audição de todo o desenrolar dos trabalhos – mas já não o seu armazenamento sonoro e/ou visual (ou seja a gravação do som e de imagens da reunião[6]).

As intervenções dos membros dos órgãos colegiais no decurso das reuniões dos órgãos e a interacção que se estabelece entre eles é a matéria de que que constitui o trabalho desses órgãos. Se todos os membros de um órgão colegial, estando presentes, se mantivessem mudos e quedos durante todo o tempo de reunião, não se poderia dizer que verdadeiramente tivesse existido qualquer reunião, pois que no espaço de tempo destinado para o efeito não houve qualquer manifestação de vontade de nenhum dos seus membros. Ora a vontade de um órgão colegial resulta – ainda que possa não ser a pura soma – das vontades expressas dos seus membros. Por essa razão os membros dos órgãos colegiais não podem evitar (ou proibir) que, nas reuniões públicas do órgão, as suas intervenções sejam presenciadas, ouvidas e vistas por todos os presentes (membros do órgão e público). Essa é, precisamente a natureza e qualidade intrínseca das sessões públicas: as intervenções dos membros do órgão podem ser presenciadas, ouvidas e vistas, por todos os presentes. A possibilidade de gravação (ou da sua proibição) de qualquer dessas intervenções não constitui, assim, um problema a se, que possa ser tratado e resolvido individual e isoladamente, mas antes se apresenta como inserido numa questão mais vasta e de natureza orgânica, que é a da possibilidade (ou não) da (livre) gravação dos trabalhos das reuniões públicas dos órgãos autárquicos.   

2.3.2. A mais do que já antes foi dito na matéria, há apenas que precisar alguns pontos sobre o acesso à informação pelos jornalistas.

Em primeiro lugar, os jornalistas, desde que para fins de cobertura informativa, têm direito de acesso a locais abertos ao público (ou a locais que não sendo acessíveis ao público, sejam-no, contudo, para a generalidade da comunicação social). Tal significa portanto que, para efeitos de recolha de informação, os jornalistas podem aceder às reuniões (aos locais das reuniões) públicas dos órgãos municipais, por se tratar de locais acessíveis ao, e acedíveis pelo, público.

Porém, no caso das reuniões reservadas da câmara municipal, já não há nelas, pela sua própria natureza de reservadas, lugar à presença do público, apenas nela participando os membros do próprio órgão (vereação) e, eventualmente, funcionários municipais, de modo coadjuvante. Ora, não se tratando então de local aberto ao público nem, à partida, de local acessível à generalidade da comunicação social, então resta concluir que não assiste aos jornalistas a possibilidade (o direito) de poderem presenciar as reuniões reservadas da câmara municipal para recolha de informação. 

2.3.3. Por fim – porque melhor que solucionar problemas é evitá-los – apenas sublinhar que os órgãos aqui em apreço – assembleia municipal e câmara municipal – têm a possibilidade de – ou melhor, devem – nos respectivos regimentos, prever e regular estas matérias de forma clara e precisa, como lhes cabe, estabelecendo o regime que o órgão, a cada momento[7], entenda dever ser observado em matéria de gravação das sessões do órgão por terceiros[8] (evidentemente, com estrito respeito pelo quadro legal vigente e aplicável) – de cujo regime deverá ser feita pública e ampla divulgação e aviso.

Só a regulação presente no regimento do órgão pode estabelecer e modular o regime a observar nesta matéria quer quanto a gravações e filmagem de reuniões públicas por terceiros (público ou jornalistas) quer no que toca à gravação oficial das mesmas (para efeito de elaboração de actas) e sua conservação[9].

Por outro lado o público presente e os jornalistas, sendo caso disso, devem ser clara e objectivamente informados e advertidos, em cada reunião, de qual a política adoptada pelo órgão em matéria de gravações das suas reuniões.

  

Concluindo

  1. As reuniões dos órgãos colegiais que tenham a qualidade e funcionem como assembleia e sejam órgãos do poder local são, nos termos constitucionais, públicas por natureza, implicando tal facto o livre acesso e permanência do público nas suas sessões.
  2. Não obstante a possibilidade de livre acesso e permanência de público nas sessões das assembleias municipais está-lhe completamente vedado, em regra, ter qualquer manifestação ou intervenção no decurso dos trabalhos, o que significar ser-lhe apenas permitida a (puraassistência – ou seja, poder ser espectador presencial dos trabalhos, vendo e ouvindo, mas nunca intervindo.
  3. Os órgãos executivos autárquicos – câmara municipal e junta de freguesia – ainda que sendo também órgãos colegiais, não têm natureza de assembleia, pelo que quanto a eles e em matéria de (presença de) público, vale o princípio, plasmado no artigo 27.º, n.º 1, do CPA, de que as reuniões dos órgãos da Administração Pública não são públicas, salvo disposição legal em contrário, conclusão que igualmente se extrai, a contrario, do disposto no artigo 49.º, n.º 2, do RJAL.
  4. A lei pode prever, como efectivamente prevê, que as reuniões (ou algumas reuniões) dos órgãos executivos autárquicos sejam públicas.
  5. No caso das reuniões dos órgãos executivos autárquicos serem públicas, o n.º 3 do artigo 27.º do CPA prevê a possibilidade dos assistentes às reuniões públicas nelas intervirem para comunicar ou pedir informações, ou expressar opiniões, sobre assuntos relevantes da competência daquele, desde que tal seja admitido na lei ou o próprio órgão delibere nesse sentido.
  6. No caso em que a lei permita a presença de público mas não abra a porta à possibilidade da sua intervenção, oral ou escrita, nas reuniões dos órgãos executivos, nem esta seja autorizada pelo próprio órgão, então o público apenas poderá assistir, como espectador, ao desenrolar dos trabalhos, em situação idêntica à que lhe cabe nas assembleias.
  7. O Regime Jurídico das Autarquias Locais prevê que os órgãos executivos autárquicos, câmara municipal e junta de freguesia, realizem, pelo menos, uma reunião pública mensal, a qual, no caso da câmara municipal, deverá ser uma das reuniões ordinárias previstas no n.º 1 do artigo 40.º do RJAL
  8. No decurso desta reunião pública e de acordo com a regulação que for estabelecida pelo próprio órgão para o efeito, haverá lugar a um período para intervenção e esclarecimento do público.
  9. Esta reunião pública não o será apenas quanto ao período destinado às intervenções e esclarecimentos do público, mas sê-lo-á igualmente desde a abertura dos trabalhos até ao seu encerramento, em razão do que o público poderá estar presente durante todo o tempo da sua realização, ainda que apenas venha a poder intervir e ser respondido pelos edis unicamente durante o período temporal destinado para esse efeito.
  10. assistência do público às sessões da assembleia municipal e às reuniões da câmara municipal tem o exacto conteúdo e dimensão de o público ser considerado como mero espectador, ou seja, passivamente presencia (testemunha) e observa (observador) in loco o decorrer da reunião.
  11. O público, como testemunha e observador, pode ver e ouvir tudo quanto se desenrola na reunião e pode guardar na sua memória (na memoria de cada elemento do público) tudo quanto veja e ouça.
  12. Das normas do RJAL ou do CPA (ou outras) aplicáveis, não resulta ou se pode inferir, mesmo que indirectamente, que ao público possa caber qualquer outra forma de participação que não a de presença como observador e testemunha.
  13. Face ao quadro de possibilidades de participação/intervenção que a lei reserva ao público, é de concluir que esta não prevê nem lhe permite outra diferente intervenção nas reuniões em haja lugar à sua presença, mormente a possibilidade de proceder à sua gravação, integral ou só parcial, quer de som (gravação áudio) quer de som e imagem (gravação vídeo).
  14. A possibilidade de gravação pelos membros do público das reuniões dos órgãos em causa – mesmo que restrita aos segmentos das reuniões abertos à intervenção do público ou só mesmo à gravação da própria intervenção por um elemento do público – não parece que, presentemente, se encontre contida, admitida ou pressuposta no quadro jurídico que define e permite essa presença.
  15. Do facto de as reuniões serem públicas, por natureza ou por ser permitida a presença de público, não resulta nem tal implica necessariamente a possibilidade de livre, incontrolada e, no limite, sistemática, gravação, integral ou parcial, dessas reuniões, pelo público presente, pois que a faculdade (o direito) que a lei concedo ao público é unicamente a da sua presença física, testemunhando todo o desenrolar dos trabalhos, mas já não o armazenamento sonoro e/ou visual da reunião.
  16. As intervenções dos membros dos órgãos colegiais no decurso das reuniões dos órgãos e a interacção que se estabelece entre eles é a matéria de que que constitui o trabalho desses órgãos, pelo que os membros dos órgãos colegiais não podem evitar (ou proibir) que, nas reuniões públicas, as suas intervenções sejam presenciadas, ouvidas e vistas por todos os presentes porque essa é, precisamente a natureza e qualidade intrínseca das sessões públicas.
  17. A possibilidade de gravação (ou da sua proibição) de qualquer dessas intervenções antes referidas não constitui, assim, um problema a se, que possa ser tratado e resolvido individual e isoladamente, mas antes se apresenta como inserido numa questão mais vasta e de natureza orgânica, que é a da possibilidade (ou não) da (livre) gravação dos trabalhos das reuniões públicas dos órgãos autárquicos.
  18. Os jornalistas, desde que para fins de cobertura informativa, têm direito de acesso a locais abertos ao público (ou a locais que não sendo acessíveis ao público, sejam-no, contudo, para a generalidade da comunicação social). Tal significa portanto que, para efeitos de recolha de informação, os jornalistas podem aceder às reuniões (aos locais das reuniões) públicas dos órgãos municipais, por se tratar de locais acessíveis ao, e acedíveis pelo, público.
  19. Por seu lado, os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade.
  20. Contudo os jornalistas encontram-se também sujeitos ao dever de não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique.
  21. Os órgãos colegais autárquicos podem, prevendo-o expressamente no seu regimento, deliberar que não seja permitida a recolha, por qualquer meio, de imagens e de som das respectivas sessões por terceiros, designadamente jornalistas, ficando estes, desse modo, impedidos de o fazer, em observância do e por respeito ao seu dever de oficio.
  22. Tal não significa que os jornalistas não possam continuar a tomar, como tradicionalmente, apontamento escrito de tudo quanto presenciem (vejam e ouçam) ou lhes chegue ao conhecimento e de, com base em tais elementos, produzir informação jornalística (notícias).
  23. Nas reuniões reservadas da câmara municipal, por essa própria natureza, não há lugar à presença do público, nelas estando presentes apenas os membros do próprio órgão (vereação) e, eventualmente, funcionários municipais, com funções coadjuvantes.
  24. Não se tratando, nesse caso, de local aberto ao público nem, à partida, de local acessível à generalidade da comunicação social, resta então concluir que não assiste aos jornalistas a possibilidade de poderem presenciar as reuniões reservadas da câmara municipal para recolha de informação.
  25. Do mesmo modo e por maioria de razão não podem terceiros, por sua própria iniciativa, estar presente e proceder à gravação ou filmagem das reuniões.
  26. A assembleia municipal e câmara municipal têm o poder de prever e regular nos respectivos regimentos, estas matérias, estabelecendo o regime que o órgão entenda dever vigorar em matéria de gravação das suas reuniões por terceiros (público ou jornalistas), quer no que toca à gravação oficial das mesmas (para efeito de elaboração de actas) e sua conservação.
  27. Quer o público presente quer os jornalistas, sendo caso disso, devem ser clara e objectivamente informados e advertidos, em cada reunião, de qual a política adoptada pelo órgão em matéria de gravações das suas reuniões.

  

Salvo semper meliori judicio

 

 Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

[1] Parecer DSAJAL 32/16, de 10 de Fevereiro de 2016.

[2] Parecer DSAJAL 118/16, de 27 de Junho de 2016.

[3] Diz Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, tomo V – Actividade Constitucional do Estado, 3.ª edição, 2004, pág. 78 e seg.) que na acepção mais geral, assembleia é qualquer reunião de pessoas, mais ou menos numerosa e estável, sempre predeterminada por normas jurídicas, com vista à prática de certos actos ou actividades.

As assembleias não são produto de liberdade de reunião. São expressão de poder (ou de liberdade de associação, quando se trate de assembleias de associações e formações análogas); e são expressões de poder público, quando se trate de assembleias de Direito constitucional e administrativo (ainda que ligadas a um princípio de participação); só o sentido imprimido pelas normas habilita a distinguir.

(…) numa acepção restrita e específica, assembleia vem a ser uma categoria de órgãos colegiais definida não tanto pela sua extensão quanto pelo regime peculiar que preside à sua composição e pelas funções que lhe andam conexas.[realce nosso]

Há assembleias que não chegam a ser órgãos, que não se elevam a centros institucionalizados de criação e manifestação de uma vontade jurídica imediata ou a se e há assembleias próprio sensu, as quais recebem, a par de outros órgãos competências dentro do Estado (ou, sendo caso disso, de outras entidades públicas ou privadas). Entre as primeiras contam-se as assembleias de voto nos sistemas representativos; entre as segundas, os Parlamentos e as demais assembleias políticas e administrativas.

[4] Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, rectificado pelas Declarações de Rectificação n.º 46-C/2013, de 1 de Novembro, e n.º 50‑A/2013, de 11 de Novembro, e alterada pela Lei n.º 25/2015, de 30 de Março, Lei n.º 69/2015, de 16 de Julho e Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

[5] Artigo 49.º, n.º 2, do RJAL.

[6] Ou de várias reuniões, o que pode prefigurar uma situação de tratamento de dados pessoais, que se encontra sujeita a especiais restrições e condicionantes e exige sempre prévia autorização.

[7] É evidente que o regime (ou qualquer dos seus aspectos) que venha a ser regimentalmente estabelecido pode, posteriormente e a todo o tempo, ser modificado pelo órgão, em qualquer sentido (seja, no limite, passar da permissão para a proibição e vice-versa) no respeito do quadro legal vigente, através da figura da alteração do regimento.

[8] Também seria positivo que, sendo caso disso, fosse também normativamente disciplinado o regime aplicável à gravação das sessões ex officio, pelo próprio órgão, caso a elas haja lugar.

[9] De sublinhar que não só a gravação de uma reunião de qualquer órgão constitui um documento administrativo, integralmente acedível nos termos em que o são todos os demais documentos administrativos (designadamente através de cópia), como a realização e conservação dessas gravações pode constituir um tratamento de dados pessoais, implicando prévia autorização para poder ser legalmente efectuado.