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Home Pareceres Jurídicos até 2017 “Casa Pronta”; direito de preferência legal.

“Casa Pronta”; direito de preferência legal.

 

Solicita a Vice-Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício de …, referência n.º … Proc. …, a emissão de

(…) parecer sobre o direito de preferência legal nos termos do procedimento “Casa Pronta”, [para o que] junto envio a V. Exa, fotocópia da informação interna n.° 4881 de 4 de julho de 2016 (…).

Na referida informação explana-se assim a dúvida que ora se visa esclarecer:

Foram levantadas algumas dúvidas aos Serviços, relativas ao procedimento de direito de preferência no âmbito do procedimento da CASAPRONTA, para efeitos do disposto no D.L. 263-A/2007 de 23/07 na atual redação do D.L. 125/2013 de 30/08, no âmbito da intenção de exercer ou não o direito legal de preferência, nos termos da Portaria n.° 794-B/2007 de 23/07.

Questionam se o Município não terá de se pronunciar relativo ao direito de preferência de qualquer transação, no âmbito da CASAPRONTA, independentemente dos normativos legais que atribuem direitos legais de preferência (…).

Nela se refere mais ainda que o pedido de parecer visa

(…) elucidar estes Serviços se, para efeitos do disposto no artigo 7.°, n.° 3, alínea d) do D.L. 263-A/2007 de 23/07 na atual redação do D.L. 125/2013 de 30/08, conjugada com a Portaria n.° 794-B/2007 de 23/07, no procedimento da CASAPRONTA, no âmbito da manifestação da intenção de exercer ou não o direito legal de preferência, se o Município tem de deliberar se pretende manifestar o interesse de exercer ou não o direto de preferência sobre todos os imóveis transacionados pelo procedimento da CASAPRONTA, ou apenas sobre os quais a lei preveja que possui direito de preferência.

Conclui a referida informação, propondo uma metodologia para o procedimento relativo ao exercício – presume-se – da manifestação prévia da intenção do exercício do direito (legal) de preferência municipal, como se transcreve:

  1. a) No âmbito do protocoto de cooperação, aprovado em Reunião de Câmara Municipal de … datada de 27/01/2009, entre o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN, IP) e o Município de …, nos termos do artigo 16.°, n.° 2 e 27.° do D.L. 263-A/2007 de 23/07, com posteriores alterações, uma das obrigações do Município, nomeadamente a alínea c) do n.° 1 da Cláusula 3.a, é o de aceder ao sítio da Internet onde são inseridos os elementos essenciais da alienação pelo obrigado à preferência para manifestação da intenção de exercer ou não o direito legal de preferência, nos termos da Portaria n.°794-B/2007 de 23/07.
  2. b) Analisada a legislação em vigor, no âmbito dos normativos legais que atribuem direitos legais de preferência, os Serviços verificaram que o Município de …, salvo melhor opinião, apenas tem direito de preferência legal1 no âmbito do:

Í) Artigo n.° 1380.° do Código Civil, devendo, no caso dos prédios rústicos, inquirir-se os proprietários dos prédios confinantes.

(…)

  1. ii) Artigo 37° da Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural) – No caso de se tratar de imóvel classificado ou em vias de classificação, ou de prédio ou fração autónoma sito na respetiva zona de proteção, existe a necessidade obrigatória de consulta à Câmara Municipal.

(…)

  1. c) Assim sendo, os interlocutores nomeados pelo município, através do sítio da Internet: https://www.casapronfa.pt/CasaPronta, ou através de resposta ao email enviado pela Conservatória do Registo Predial, efetuam duas verificações:
  2. i) No caso dos prédios rústicos, verificam as confrontações, por forma a verificar se confina com o Município de Nelas. Caso de verifique, é objeto de apreciação e deliberação da Câmara Municipal de …;
  3. ii) É analisado a planta de Condicionantes – Outras condicionantes , que consta da composição do Plano Diretor Municipal de …, publicado em Diário da República, 2a Série – N.° 1 – … de Janeiro de 2014, Aviso n.° …, e de acordo com a localização do prédio definida na Caderneta Predial Urbana (coordenadas), caso se trate de um imóvel classificado ou em vias de classificação, ou na respetiva zona de proteção, é objeto de apreciação e deliberação da Câmara Municipal de …:

Caso contrário, os interlocutores comunicam através do sítio da internei ou através de email à Conservatória do Registo Predial conforme não existe o direito de preferência legal por parte do Município.

 

1 De acordo como o documento anexo: Pedido de adesão ao sítio da internet www.cnsapronia.mi.pt, na alínea c) solicitavam a indicação dos normativos legais que atribuem direitos legais de preferência. Ou seja, o legislador não confere novas competências ao Município, apenas reforça o cumprimento das mesmas.

2 Na planta de Condicionantes – Outras condicionantes encontram-se assinalados o património classificado e respetiva área de proteção.

  

Apreciando

  1. Do pedido

Do teor do pedido, não é fácil alcançar, com meridiana precisão, qual, afinal, é a exacta dúvida de que ora se visa esclarecimento.

Na verdade, não se alcança claramente se o problema em causa para o qual se procura solução é o de saber (…) se o Município não terá de se pronunciar relativo ao direito de preferência de qualquer transação, no âmbito da CASAPRONTA, independentemente dos normativos legais que atribuem direitos legais de preferência (…) ou, antes, se será ou não adequado para o efeito o procedimento proposto pela edilidade (seja, os passos a seguir) para a manifestação prévia da intenção do exercício do direito (legal) de preferência municipal no âmbito do procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único, previsto no Decreto‑Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho[1], no quadro do designado “serviço Casa Pronta”[2].

Contudo porque só a primeira das questões é susceptível de dar uma dimensão não meramente procedimental à segunda, será estão a essa que se dedicará primordial atenção, se bem que necessariamente de forma suficientemente breve.

 

  1. Análise

2.1. O direito de preferência

A matéria ora aqui em apreço situa-se no âmbito do exercício do designado direito de preferência.

Este direito é, tipicamente, de natureza obrigacional, resultando de um acordo (pacto de preferência) estabelecido entre uma pessoa (promitente) em benefício de outra (beneficiário) (ainda que não se trate de um negócio bilateral pois só o promitente se vincula)[3], através do qual o primeiro se obriga a dar preferência a outrem, na eventual conclusão futura de um determinado contrato, caso o promitente venha de facto a celebrá-lo e o beneficiário queira contratar em condições iguais à que um terceiro aceitaria[4].

Dele diz Manuel Henrique Mesquita: o direito de preferência atribui ao respectivo titular prioridade ou primazia na celebração de determinado negócio jurídico, desde que ele manifeste vontade de o realizar nas mesmas condições (tanto por tanto) que foram acordadas entre o sujeito vinculado à preferência e um terceiro. Trata-se de um direito que pode ser criado directamente pela lei ou por negócio jurídico (contrato ou testamento). As preferências legais visam, em regra, proporcionar ao titular respectivo a aquisição de um direito real[5]. 

Assim, o direito de preferência pode consistir num direito convencional[6], com a natureza de um mero direito de crédito à conduta do obrigado à preferência, cujo incumprimento apenas dará lugar a indemnização[7], ainda que, quando se trate de pactos de preferência tendo por objecto bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, poder-lhe ser conferida eficácia real[8], se forem registados[9]. Nesse caso, o acordo deixa de valer (ser oponível) unicamente ente as partes, para passar a ter igualmente eficácia perante terceiros[10].

Já no caso das preferências legais – as quais, mesmo que concedidas em favor de particulares, têm sempre na sua base um interesse de ordem pública – o preferente legal desfruta (…) de um direito potestativo que lhe permite fazer seu o negócio realizado em violação da preferência[11]. 

2.2. Exercício do direito de preferência

2.2.1. O procedimento tradicional para exercício do direito de preferência

Tipicamente, o direito de preferência (que pactício quer legal) carece, para poder ser exercido, do conhecimento prévio, pelo seu beneficiário, (dos contornos) do negócio (oneroso) que se pretenda realizar. Para tal efeito, estabelece o artigo 416.º do Código Civil o seguinte procedimento:

Querendo vender a coisa que é objecto (..) [do direito de preferência], o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato (n.º 1).

Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo (n.º 2).

Sendo este o procedimento típico[12] que partia do pressuposto – do costume ou tradição – de que as transações de bens imóveis eram (necessariamente) realizadas notarialmente, por escritura pública, certo é que não só a alteração deste paradigma pelo alargamento da possibilidade de formalização destes contratos através de outras formas e diferentes entidades, como também uma certa disseminação de (novos) direitos legais de preferência estabelecidos (com os mais diversos fundamentos) a favor de (várias) entidades públicas trouxe a necessidade de instituir outros procedimentos em matéria de exercício deste direito.

Um desses casos será precisamente o do procedimento de manifestação prévia da intenção de exercício do direito de preferência introduzido pelo capítulo II (artigos 18.º a 20.º) do Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho, no âmbito de um novo procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único, instituído no âmbito de um designado “serviço Casa Pronta” que se processa de forma “desmaterializada” (ou seja, por via informática).

2.2.2. O procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único

Como se acabou de dizer, o Decreto-Lei n.º 263-A/2007, quebrando uma prática que se pode considerar ancestral, introduziu no nosso ordenamento jurídico aquilo que ele designou por procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único, definido como um procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis, (…) [com] dois objectivos principais: a eliminação de formalidades dispensáveis nos processos de transmissão e oneração de imóveis e a possibilidade de realizar todas as operações e actos necessários num único balcão, perante um único atendimento[13].

Assim, se de um lado e através da utilização intensiva de meios de comunicação electrónica e da Internet (…) [se tornou] desnecessário o envio separado de informação a diversas pessoas colectivas públicas e empresas públicas para efeito de exercício do direito de preferência ao mesmo tempo que passou a permite-se que o contrato seja celebrado na conservatória de registo, dispensando-se a escritura pública e a inerente deslocação ao cartório notarial, de outro lado foi criado um «balcão único» onde, em atendimento presencial único, nas conservatórias de registo e suas extensões, os interessados (…) [passaram a poder] praticar todos os actos que um processo de compra de casa e outros negócios jurídicos conexos impliquem. Consequentemente, num único posto de atendimento (…) [passou] a ser possível efectuar a generalidade das operações e actos necessários à compra de casa, evitando-se deslocações e custos associados a essas deslocações[14].

2.2.2.1. O procedimento de manifestação prévia da intenção de exercício do direito de preferência

É pois no âmbito deste procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único que surge o procedimento para manifestação prévia da intenção de exercício do direito de preferência por parte de entidades públicas – Estado, Regiões Autónomas, municípios, outras pessoas colectivas públicas ou empresas públicas – beneficiárias de direitos de preferência legalmente (e de modo disperso) estabelecidos em seu favor.

Em primeiro lugar esse procedimento apenas pode ser utilizado quando o beneficiário (titular) do direito de preferência seja o Estado, Regiões Autónomas, municípios, outras pessoas colectivas públicas ou empresas públicas mas já não quando o seja uma pessoa singular ou um ente colectivo privado.

Por outro lado, a utilização deste procedimento não se afigura como obrigatória para o obrigado à preferência[15], podendo este optar, em alternativa, pelo regime geral de comunicação previsto no Código Civil para efeitos do seu exercício. Porém, caso opte pelo aludido procedimento, o envio para o sítio de internet (Casa Pronta) dos elementos essenciais ao exercício do direito legal de preferência pelo Estado, Regiões Autónomas, municípios, outras pessoas colectivas públicas ou empresas públicas[16], (…) substitui a notificação para preferência, nos termos gerais[17].

Mais evidente ainda é o facto de tal procedimento ser apenas utilizável no caso de direitos de preferência legais – ou seja, direitos de preferência estabelecidas por lei a favor das já referidas entidades públicas beneficiárias – mas já não nos caos de eventuais preferências convencionais ou pactícias ainda que estabelecidas em favor das mesmas entidades[18].

Porém, se a manifestação prévia para exercício da preferência se pode aplicar e valer para os negócios jurídicos incidentes sobre imóveis passíveis de ser realizados segundo o procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único, a saber, os previstos no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto‑Lei n.º 263-A/2007: (a) compra e venda, (b) mútuo e demais contratos de crédito e de financiamento celebrados por instituições de crédito, com hipoteca, com ou sem fiança, (c) hipoteca, (d) sub-rogação nos direitos e garantias do credor hipotecário, nos termos do artigo 591.º do Código Civil e (e) outros negócios jurídicos, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, afigura-se que ela poderá valer igualmente quando esteja em causa a realização de outros negócios jurídicos que não possam ser formalizados desse modo, como será o caso de dação em pagamento (ou dação em cumprimento ou “pro solvendo”) de imóvel objecto de direito de preferência em favor de ente públicos.

Como é óbvio, a cominação prevista no n.º 4 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 263-A/2007 e retomada no n.º 2 do artigo 14.º da Portaria n.º 794-B/2007, de 23 de Julho[19], de que a ausência de manifestação expressa da intenção de exercer o direito legal de preferência no prazo previsto na lei determina a caducidade deste direito tem que ser entendido como querendo-se referir (ainda que algo inapropriadamente) apenas ao exercício daquele direito quanto ao prédio em questão e relativamente àquele preciso negócio – não podendo, de modo algum, significar que o direito de preferência caduca igualmente relativamente a negócios futuros relativos ao mesmo prédio e a esse seu titular (caso a transacção não se chegue a realizar nos termos propostos ou venha sê-lo com diferente contraparte ou condições negociais) ou a novos titulares. Totalmente implausível (por absurda) será ainda qualquer ideia de que essa “caducidade” poderia igualmente afectar a subsistência futura daquela preferência legal relativamente à entidade publica silente quanto a quaisquer outros prédios em que tal preferência se pudesse verificar.

A Portaria n.º 794-B/2007 prevê[20] que no caso de manifestação expressa da intenção de exercer a preferência essa decisão não possa ser posteriormente alterada. Também aqui se deve entender que a inalterabilidade do sentido da manifestação (pelo não exercício da preferência) deve ser entendida como vigorando apenas quanto àquele concreto negócio e já não relativamente a qualquer outro, ainda que com o mesmo alienante (na hipótese do o negócio que haja sido comunicado acabar por se não concretizar) ou com titulares futuros, desde que em causa se encontre o mesmo prédio.

Por outro lado, ainda que a informação (contendo a resposta da edilidade) sobre a manifestação da intenção de exercício do direito de preferência fique disponível (no sítio da internet) durante um ano (contado a partir do pagamento do emolumento devido), isso não significa que ela valer para outros e quaisquer negócios realizados durante esse período, no caso do negócio originalmente notificado não se chegar a concretizar.

2.3. O procedimento de manifestação prévia da intenção de exercício do direito de preferência na prática

Na prática, é o obrigado à preferência – o proprietário do prédio – que se encontra sujeito, por lei, à obrigação de comunicar às entidades preferentes[21] – no caso, à camara municipal da localização do imóvel[22] – não só a intenção de realização de negócio susceptível de preferência (em regra, a venda, mas não só) mas também todos os demais elementos sobre as condições negociais necessários e exigíveis para o exercício da preferência.

É pois a ele que cabe o ónus do conhecer as normas que estabelecem sobre o seu prédio um direito de preferência a favor de entidades públicas, e especificamente da câmara municipal do concelho da localização do imóvel, pelo que o exercício de direito legal de preferência pelo município não ode ser prejudicado pela alegação de que o titular do prédio desconhecia a existência dessa preferência.

Porém, nos termos do protocolo que terá sido firmado com o IRN em 2009, cabe ao município fornecer ao IRN e manter actualizada a listagem com os locais onde se verifique existir o direito de preferência – o que significa da parte do município a necessidade do conhecimento exaustivo de todas as situações em que tal direito se encontre previsto na lei e seja aplicável na sua circunscrição territorial, indicação da qual poderá ficar dependente a inscrição no sítio da «casa pronta» da informação indispensável à manifestação da intenção municipal de exercício de preferência. O que poderá levar a que o município, num caso de falta dessa inscrição devida ao facto de não ter comunicado ao IRN a existência de uma situação de preferência, poder ver invocado contra si, caso pretenda exercer o direito de preferência, a ausência de indicação de que sobre o prédio em apreço impendia preferência legal em favor do município.

Por outro lado, as preferências legais do município não parece que se resumam apenas às situações prevista no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, e nº artigo 37.º da Lei n.º 107/2011.

Para além das preferências legais a favor do município no âmbito do Programa PROHABITA que se encontram expressamente excluídas do regime de manifestação prévia do Decreto-Lei n.º 263-A/2007, outras há (ou podem vir a ser previstas), designadamente no âmbito do disposto no artigo 29.º da Lei de Bases Gerias da Política de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo[23], como seja o direito de preferência previsto no artigo 155.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de Maio[24], a prevista no artigo 58.º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana[25], as previstas no artigo 1409.º, n.º 1, do Código Civil a favor dos comproprietários ou no artigo 1555.º, n.º 1, do mesmo código, a favor de prédio onerado com servidão de passagem, ou ainda a referida no artigo 55.º do Código do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (CIMT)[26].

De referir, por fim, que os direitos legais de preferência são apenas os que se encontrem expressamente previstos na lei, definidos em função de imóveis, seu uso, localização ou outro critério relativo aos mesmos. Em matéria de manifestação da intenção de exercício de direito legal de preferência, o município apenas se tem que pronunciar sobre os prédios e negócios que foram feitos constar do sítio da internet da «casa pronta» destinado para esse efeito e não sobre todo e qualquer prédio sobre o qual tenha havido negócios jurídicos formalizados através desse “balcão único”.

 

Concluindo

  1. O município peticionante apenas se tem que pronunciar no âmbito da manifestação de intenção de exercício do direito de preferência sobre imoveis previsto no Decreto-Lei n.º 263-A/2007, quando em relação a certo e determinado prédio exista direito legal de preferência estabelecido em seu favor e haja sido feita constar, pelo seu titular, no sitio da internet da «casa pronta», a informação necessária para a manifestação da intenção de exercício da preferência pelo município – e não relativamente a todo e qualquer prédio objecto de negócio jurídico formalizado através do regime da «casa pronta» relativamente ao qual, aliás, o mais natural é não se encontrar previsto qualquer direito legal de preferência em favor do município.
  2. Para efeitos do exercício da preferência no âmbito do regime «casa pronta», cabe ao município fornecer ao IRN e manter actualizada a listagem com os locais onde se verifique existir o direito de preferência – o que significa da parte do município a necessidade do conhecimento exaustivo de todas as situações em que tal direito se encontre previsto na lei e seja aplicável na sua circunscrição territorial ‑ cuja falta desse fornecimento o município poderá ver invocado, contra si, como legítima justificação para o obrigado à preferência não ter procedido à notificação devida para exercício desta, no caso de pretender exercê-la.

 

Salvo semper meliori judicio

  

Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

[1] Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 122/2009, de 21 de Maio, Decreto-Lei n.º 99/2010, de 2 de Setembro, Decreto-Lei n.º 209/2012, de 19 de Setembro, e Decreto-Lei n.º 125/2013, de 30 de Agosto.

[2] O sítio internet Casa Pronta – https://www.casapronta.pt/CasaPronta/ – apresenta-se do seguinte modo:

O serviço Casa Pronta, disponibilizado pelos serviços do Ministério da Justiça, permite realizar de forma imediata todas as formalidades necessárias à compra e venda, doação, permuta, dação pagamento, de prédios urbanos, mistos ou rústicos, com ou sem recurso a crédito bancário, à transferência de um empréstimo bancário para compra de casa de um banco para outro ou à realização de um empréstimo garantido por uma hipoteca sobre a casa, num único balcão de atendimento. No serviço Casa Pronta também é possível realizar a constituição de propriedade horizontal.

Neste sitio o cidadão, as empresas e as entidades públicas intervenientes nos negócios supra identificados têm acesso a serviços e à informação necessária de apoio para a realização de procedimentos Casa Pronta.

Neste sítio:

  • Os cidadãos e empresas podem preencher e enviar por via eletrónica o anúncio destinado a publicitar os elementos essenciais do negócio que pretendem realizar, por forma a que as entidades públicas com direito legal de preferência possam manifestar a intenção de exercer ou não esse direito. O custo deste anúncio é de 15€.
  • As entidades públicas com direito legal de preferência passam a ter de manifestar a intenção de exercer a preferência através deste sítio, ficando as pessoas e empresas dispensadas de obter e pagar certidões negativas de exercício de direito de preferência junto dessas entidades antes de celebrar o negócio.
  • Os cidadãos, empresas e serviços de registo podem consultar os anúncios submetidos e verificar, a cada momento, se alguma entidade pública com direito legal de preferência manifestou a intenção de exercer esse direito;
  • Os bancos podem pedir e consultar a certidão permanente de registo do prédio.

[3] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações, 4.ª edição, 1984, pág. 289 (edição acedida. Há, contudo, edição mais recente: 12.º edição, 2009, com reimpressão em 2016).

[4] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações … cit, pág. 289.

[5] Vd. Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 3.ª reimpressão, 2003, pág.189 e segs.

[6] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações … cit, pág. 293.

[7] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações … cit, pág. 294.

[8] Artigo 421.º, n.º 1, do Código Civil.

[9] Artigo 413.º, n.º 1, do Código Civil.

[10] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações … cit, pág. 294.

[11] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações … cit, pág. 294.

[12] Diz-se tipicamente par simbolizar que esta é a regra no que toca ao procedimento do seu exercício. Contudo diversos casos há, especialmente no caso de preferências legais e quando os beneficiários são entidades públicas, em que são previstos procedimentos específicos para exercício do direto de preferência.

[13] Vd. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 263-A/2007.

[14] Vd. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 263-A/2007.

[15] Diz-se no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 263-A/2007 que o alienante pode remeter os elementos essenciais ao exercício do direito legal de preferência (…) por uma via electrónica única.

[16] Artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 263-A/2007.

[17] Artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 263-A/2007.

[18] É também o n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 263-A/2007 que restringe o procedimento (…) ao exercício do direito legal de preferência (…).

[19] Alterada pela Portaria n.º 286/2012, de 20 de Setembro, e pela Portaria n.º 358/2015, de 14 de Outubro.

[20] Artigo 14.º, n.º 3, da Portaria n.º 794-B/2007.

[21] Fala-se aqui em preferentes porque, na verdade, as preferências legais, na generalidade dos casos não são estabelecidas apenas em favor de um único beneficiário mas sim em favor de vários beneficiários, que (aparentemente) devem exercer a preferência, ou antes, preferem de modo sucessivo. O que significa que aquele que exerce (manifesta) primeiro o seu direito de preferência poderá não vir a ser, a final, o titular do prédio.

[22] Deve entender-se que, em regra, o deito de preferência das autarquias ou, mais precisamente, de cada autarquia, vale unicamente quanto aos imóveis situados na área do concelho.

[23] Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio.

[24] Este diploma visa definir o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional, intermunicipal e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial.

[25] DL n.º 307/2009, de 23 de Outubro, alterado pela Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto e pelo Decreto‑Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro.

[26] Esta referência não significa, contudo, que todas elas sejam exercíveis através do regime «casa pronta».

 
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“Casa Pronta”; direito de preferência legal.

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Solicita a Vice-Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício de …, referência n.º … Proc. …, a emissão de

(…) parecer sobre o direito de preferência legal nos termos do procedimento “Casa Pronta”, [para o que] junto envio a V. Exa, fotocópia da informação interna n.° 4881 de 4 de julho de 2016 (…).

Na referida informação explana-se assim a dúvida que ora se visa esclarecer:

Foram levantadas algumas dúvidas aos Serviços, relativas ao procedimento de direito de preferência no âmbito do procedimento da CASAPRONTA, para efeitos do disposto no D.L. 263-A/2007 de 23/07 na atual redação do D.L. 125/2013 de 30/08, no âmbito da intenção de exercer ou não o direito legal de preferência, nos termos da Portaria n.° 794-B/2007 de 23/07.

Questionam se o Município não terá de se pronunciar relativo ao direito de preferência de qualquer transação, no âmbito da CASAPRONTA, independentemente dos normativos legais que atribuem direitos legais de preferência (…).

Nela se refere mais ainda que o pedido de parecer visa

(…) elucidar estes Serviços se, para efeitos do disposto no artigo 7.°, n.° 3, alínea d) do D.L. 263-A/2007 de 23/07 na atual redação do D.L. 125/2013 de 30/08, conjugada com a Portaria n.° 794-B/2007 de 23/07, no procedimento da CASAPRONTA, no âmbito da manifestação da intenção de exercer ou não o direito legal de preferência, se o Município tem de deliberar se pretende manifestar o interesse de exercer ou não o direto de preferência sobre todos os imóveis transacionados pelo procedimento da CASAPRONTA, ou apenas sobre os quais a lei preveja que possui direito de preferência.

Conclui a referida informação, propondo uma metodologia para o procedimento relativo ao exercício – presume-se – da manifestação prévia da intenção do exercício do direito (legal) de preferência municipal, como se transcreve:

  1. a) No âmbito do protocoto de cooperação, aprovado em Reunião de Câmara Municipal de … datada de 27/01/2009, entre o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN, IP) e o Município de …, nos termos do artigo 16.°, n.° 2 e 27.° do D.L. 263-A/2007 de 23/07, com posteriores alterações, uma das obrigações do Município, nomeadamente a alínea c) do n.° 1 da Cláusula 3.a, é o de aceder ao sítio da Internet onde são inseridos os elementos essenciais da alienação pelo obrigado à preferência para manifestação da intenção de exercer ou não o direito legal de preferência, nos termos da Portaria n.°794-B/2007 de 23/07.
  2. b) Analisada a legislação em vigor, no âmbito dos normativos legais que atribuem direitos legais de preferência, os Serviços verificaram que o Município de …, salvo melhor opinião, apenas tem direito de preferência legal1 no âmbito do:

Í) Artigo n.° 1380.° do Código Civil, devendo, no caso dos prédios rústicos, inquirir-se os proprietários dos prédios confinantes.

(…)

  1. ii) Artigo 37° da Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural) – No caso de se tratar de imóvel classificado ou em vias de classificação, ou de prédio ou fração autónoma sito na respetiva zona de proteção, existe a necessidade obrigatória de consulta à Câmara Municipal.

(…)

  1. c) Assim sendo, os interlocutores nomeados pelo município, através do sítio da Internet: https://www.casapronfa.pt/CasaPronta, ou através de resposta ao email enviado pela Conservatória do Registo Predial, efetuam duas verificações:
  2. i) No caso dos prédios rústicos, verificam as confrontações, por forma a verificar se confina com o Município de Nelas. Caso de verifique, é objeto de apreciação e deliberação da Câmara Municipal de …;
  3. ii) É analisado a planta de Condicionantes – Outras condicionantes , que consta da composição do Plano Diretor Municipal de …, publicado em Diário da República, 2a Série – N.° 1 – … de Janeiro de 2014, Aviso n.° …, e de acordo com a localização do prédio definida na Caderneta Predial Urbana (coordenadas), caso se trate de um imóvel classificado ou em vias de classificação, ou na respetiva zona de proteção, é objeto de apreciação e deliberação da Câmara Municipal de …:

Caso contrário, os interlocutores comunicam através do sítio da internei ou através de email à Conservatória do Registo Predial conforme não existe o direito de preferência legal por parte do Município.

 

1 De acordo como o documento anexo: Pedido de adesão ao sítio da internet www.cnsapronia.mi.pt, na alínea c) solicitavam a indicação dos normativos legais que atribuem direitos legais de preferência. Ou seja, o legislador não confere novas competências ao Município, apenas reforça o cumprimento das mesmas.

2 Na planta de Condicionantes – Outras condicionantes encontram-se assinalados o património classificado e respetiva área de proteção.

  

Apreciando

  1. Do pedido

Do teor do pedido, não é fácil alcançar, com meridiana precisão, qual, afinal, é a exacta dúvida de que ora se visa esclarecimento.

Na verdade, não se alcança claramente se o problema em causa para o qual se procura solução é o de saber (…) se o Município não terá de se pronunciar relativo ao direito de preferência de qualquer transação, no âmbito da CASAPRONTA, independentemente dos normativos legais que atribuem direitos legais de preferência (…) ou, antes, se será ou não adequado para o efeito o procedimento proposto pela edilidade (seja, os passos a seguir) para a manifestação prévia da intenção do exercício do direito (legal) de preferência municipal no âmbito do procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único, previsto no Decreto‑Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho[1], no quadro do designado “serviço Casa Pronta”[2].

Contudo porque só a primeira das questões é susceptível de dar uma dimensão não meramente procedimental à segunda, será estão a essa que se dedicará primordial atenção, se bem que necessariamente de forma suficientemente breve.

 

  1. Análise

2.1. O direito de preferência

A matéria ora aqui em apreço situa-se no âmbito do exercício do designado direito de preferência.

Este direito é, tipicamente, de natureza obrigacional, resultando de um acordo (pacto de preferência) estabelecido entre uma pessoa (promitente) em benefício de outra (beneficiário) (ainda que não se trate de um negócio bilateral pois só o promitente se vincula)[3], através do qual o primeiro se obriga a dar preferência a outrem, na eventual conclusão futura de um determinado contrato, caso o promitente venha de facto a celebrá-lo e o beneficiário queira contratar em condições iguais à que um terceiro aceitaria[4].

Dele diz Manuel Henrique Mesquita: o direito de preferência atribui ao respectivo titular prioridade ou primazia na celebração de determinado negócio jurídico, desde que ele manifeste vontade de o realizar nas mesmas condições (tanto por tanto) que foram acordadas entre o sujeito vinculado à preferência e um terceiro. Trata-se de um direito que pode ser criado directamente pela lei ou por negócio jurídico (contrato ou testamento). As preferências legais visam, em regra, proporcionar ao titular respectivo a aquisição de um direito real[5]. 

Assim, o direito de preferência pode consistir num direito convencional[6], com a natureza de um mero direito de crédito à conduta do obrigado à preferência, cujo incumprimento apenas dará lugar a indemnização[7], ainda que, quando se trate de pactos de preferência tendo por objecto bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, poder-lhe ser conferida eficácia real[8], se forem registados[9]. Nesse caso, o acordo deixa de valer (ser oponível) unicamente ente as partes, para passar a ter igualmente eficácia perante terceiros[10].

Já no caso das preferências legais – as quais, mesmo que concedidas em favor de particulares, têm sempre na sua base um interesse de ordem pública – o preferente legal desfruta (…) de um direito potestativo que lhe permite fazer seu o negócio realizado em violação da preferência[11]. 

2.2. Exercício do direito de preferência

2.2.1. O procedimento tradicional para exercício do direito de preferência

Tipicamente, o direito de preferência (que pactício quer legal) carece, para poder ser exercido, do conhecimento prévio, pelo seu beneficiário, (dos contornos) do negócio (oneroso) que se pretenda realizar. Para tal efeito, estabelece o artigo 416.º do Código Civil o seguinte procedimento:

Querendo vender a coisa que é objecto (..) [do direito de preferência], o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato (n.º 1).

Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo (n.º 2).

Sendo este o procedimento típico[12] que partia do pressuposto – do costume ou tradição – de que as transações de bens imóveis eram (necessariamente) realizadas notarialmente, por escritura pública, certo é que não só a alteração deste paradigma pelo alargamento da possibilidade de formalização destes contratos através de outras formas e diferentes entidades, como também uma certa disseminação de (novos) direitos legais de preferência estabelecidos (com os mais diversos fundamentos) a favor de (várias) entidades públicas trouxe a necessidade de instituir outros procedimentos em matéria de exercício deste direito.

Um desses casos será precisamente o do procedimento de manifestação prévia da intenção de exercício do direito de preferência introduzido pelo capítulo II (artigos 18.º a 20.º) do Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho, no âmbito de um novo procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único, instituído no âmbito de um designado “serviço Casa Pronta” que se processa de forma “desmaterializada” (ou seja, por via informática).

2.2.2. O procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único

Como se acabou de dizer, o Decreto-Lei n.º 263-A/2007, quebrando uma prática que se pode considerar ancestral, introduziu no nosso ordenamento jurídico aquilo que ele designou por procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único, definido como um procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis, (…) [com] dois objectivos principais: a eliminação de formalidades dispensáveis nos processos de transmissão e oneração de imóveis e a possibilidade de realizar todas as operações e actos necessários num único balcão, perante um único atendimento[13].

Assim, se de um lado e através da utilização intensiva de meios de comunicação electrónica e da Internet (…) [se tornou] desnecessário o envio separado de informação a diversas pessoas colectivas públicas e empresas públicas para efeito de exercício do direito de preferência ao mesmo tempo que passou a permite-se que o contrato seja celebrado na conservatória de registo, dispensando-se a escritura pública e a inerente deslocação ao cartório notarial, de outro lado foi criado um «balcão único» onde, em atendimento presencial único, nas conservatórias de registo e suas extensões, os interessados (…) [passaram a poder] praticar todos os actos que um processo de compra de casa e outros negócios jurídicos conexos impliquem. Consequentemente, num único posto de atendimento (…) [passou] a ser possível efectuar a generalidade das operações e actos necessários à compra de casa, evitando-se deslocações e custos associados a essas deslocações[14].

2.2.2.1. O procedimento de manifestação prévia da intenção de exercício do direito de preferência

É pois no âmbito deste procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único que surge o procedimento para manifestação prévia da intenção de exercício do direito de preferência por parte de entidades públicas – Estado, Regiões Autónomas, municípios, outras pessoas colectivas públicas ou empresas públicas – beneficiárias de direitos de preferência legalmente (e de modo disperso) estabelecidos em seu favor.

Em primeiro lugar esse procedimento apenas pode ser utilizado quando o beneficiário (titular) do direito de preferência seja o Estado, Regiões Autónomas, municípios, outras pessoas colectivas públicas ou empresas públicas mas já não quando o seja uma pessoa singular ou um ente colectivo privado.

Por outro lado, a utilização deste procedimento não se afigura como obrigatória para o obrigado à preferência[15], podendo este optar, em alternativa, pelo regime geral de comunicação previsto no Código Civil para efeitos do seu exercício. Porém, caso opte pelo aludido procedimento, o envio para o sítio de internet (Casa Pronta) dos elementos essenciais ao exercício do direito legal de preferência pelo Estado, Regiões Autónomas, municípios, outras pessoas colectivas públicas ou empresas públicas[16], (…) substitui a notificação para preferência, nos termos gerais[17].

Mais evidente ainda é o facto de tal procedimento ser apenas utilizável no caso de direitos de preferência legais – ou seja, direitos de preferência estabelecidas por lei a favor das já referidas entidades públicas beneficiárias – mas já não nos caos de eventuais preferências convencionais ou pactícias ainda que estabelecidas em favor das mesmas entidades[18].

Porém, se a manifestação prévia para exercício da preferência se pode aplicar e valer para os negócios jurídicos incidentes sobre imóveis passíveis de ser realizados segundo o procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único, a saber, os previstos no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto‑Lei n.º 263-A/2007: (a) compra e venda, (b) mútuo e demais contratos de crédito e de financiamento celebrados por instituições de crédito, com hipoteca, com ou sem fiança, (c) hipoteca, (d) sub-rogação nos direitos e garantias do credor hipotecário, nos termos do artigo 591.º do Código Civil e (e) outros negócios jurídicos, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, afigura-se que ela poderá valer igualmente quando esteja em causa a realização de outros negócios jurídicos que não possam ser formalizados desse modo, como será o caso de dação em pagamento (ou dação em cumprimento ou “pro solvendo”) de imóvel objecto de direito de preferência em favor de ente públicos.

Como é óbvio, a cominação prevista no n.º 4 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 263-A/2007 e retomada no n.º 2 do artigo 14.º da Portaria n.º 794-B/2007, de 23 de Julho[19], de que a ausência de manifestação expressa da intenção de exercer o direito legal de preferência no prazo previsto na lei determina a caducidade deste direito tem que ser entendido como querendo-se referir (ainda que algo inapropriadamente) apenas ao exercício daquele direito quanto ao prédio em questão e relativamente àquele preciso negócio – não podendo, de modo algum, significar que o direito de preferência caduca igualmente relativamente a negócios futuros relativos ao mesmo prédio e a esse seu titular (caso a transacção não se chegue a realizar nos termos propostos ou venha sê-lo com diferente contraparte ou condições negociais) ou a novos titulares. Totalmente implausível (por absurda) será ainda qualquer ideia de que essa “caducidade” poderia igualmente afectar a subsistência futura daquela preferência legal relativamente à entidade publica silente quanto a quaisquer outros prédios em que tal preferência se pudesse verificar.

A Portaria n.º 794-B/2007 prevê[20] que no caso de manifestação expressa da intenção de exercer a preferência essa decisão não possa ser posteriormente alterada. Também aqui se deve entender que a inalterabilidade do sentido da manifestação (pelo não exercício da preferência) deve ser entendida como vigorando apenas quanto àquele concreto negócio e já não relativamente a qualquer outro, ainda que com o mesmo alienante (na hipótese do o negócio que haja sido comunicado acabar por se não concretizar) ou com titulares futuros, desde que em causa se encontre o mesmo prédio.

Por outro lado, ainda que a informação (contendo a resposta da edilidade) sobre a manifestação da intenção de exercício do direito de preferência fique disponível (no sítio da internet) durante um ano (contado a partir do pagamento do emolumento devido), isso não significa que ela valer para outros e quaisquer negócios realizados durante esse período, no caso do negócio originalmente notificado não se chegar a concretizar.

2.3. O procedimento de manifestação prévia da intenção de exercício do direito de preferência na prática

Na prática, é o obrigado à preferência – o proprietário do prédio – que se encontra sujeito, por lei, à obrigação de comunicar às entidades preferentes[21] – no caso, à camara municipal da localização do imóvel[22] – não só a intenção de realização de negócio susceptível de preferência (em regra, a venda, mas não só) mas também todos os demais elementos sobre as condições negociais necessários e exigíveis para o exercício da preferência.

É pois a ele que cabe o ónus do conhecer as normas que estabelecem sobre o seu prédio um direito de preferência a favor de entidades públicas, e especificamente da câmara municipal do concelho da localização do imóvel, pelo que o exercício de direito legal de preferência pelo município não ode ser prejudicado pela alegação de que o titular do prédio desconhecia a existência dessa preferência.

Porém, nos termos do protocolo que terá sido firmado com o IRN em 2009, cabe ao município fornecer ao IRN e manter actualizada a listagem com os locais onde se verifique existir o direito de preferência – o que significa da parte do município a necessidade do conhecimento exaustivo de todas as situações em que tal direito se encontre previsto na lei e seja aplicável na sua circunscrição territorial, indicação da qual poderá ficar dependente a inscrição no sítio da «casa pronta» da informação indispensável à manifestação da intenção municipal de exercício de preferência. O que poderá levar a que o município, num caso de falta dessa inscrição devida ao facto de não ter comunicado ao IRN a existência de uma situação de preferência, poder ver invocado contra si, caso pretenda exercer o direito de preferência, a ausência de indicação de que sobre o prédio em apreço impendia preferência legal em favor do município.

Por outro lado, as preferências legais do município não parece que se resumam apenas às situações prevista no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, e nº artigo 37.º da Lei n.º 107/2011.

Para além das preferências legais a favor do município no âmbito do Programa PROHABITA que se encontram expressamente excluídas do regime de manifestação prévia do Decreto-Lei n.º 263-A/2007, outras há (ou podem vir a ser previstas), designadamente no âmbito do disposto no artigo 29.º da Lei de Bases Gerias da Política de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo[23], como seja o direito de preferência previsto no artigo 155.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de Maio[24], a prevista no artigo 58.º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana[25], as previstas no artigo 1409.º, n.º 1, do Código Civil a favor dos comproprietários ou no artigo 1555.º, n.º 1, do mesmo código, a favor de prédio onerado com servidão de passagem, ou ainda a referida no artigo 55.º do Código do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (CIMT)[26].

De referir, por fim, que os direitos legais de preferência são apenas os que se encontrem expressamente previstos na lei, definidos em função de imóveis, seu uso, localização ou outro critério relativo aos mesmos. Em matéria de manifestação da intenção de exercício de direito legal de preferência, o município apenas se tem que pronunciar sobre os prédios e negócios que foram feitos constar do sítio da internet da «casa pronta» destinado para esse efeito e não sobre todo e qualquer prédio sobre o qual tenha havido negócios jurídicos formalizados através desse “balcão único”.

 

Concluindo

  1. O município peticionante apenas se tem que pronunciar no âmbito da manifestação de intenção de exercício do direito de preferência sobre imoveis previsto no Decreto-Lei n.º 263-A/2007, quando em relação a certo e determinado prédio exista direito legal de preferência estabelecido em seu favor e haja sido feita constar, pelo seu titular, no sitio da internet da «casa pronta», a informação necessária para a manifestação da intenção de exercício da preferência pelo município – e não relativamente a todo e qualquer prédio objecto de negócio jurídico formalizado através do regime da «casa pronta» relativamente ao qual, aliás, o mais natural é não se encontrar previsto qualquer direito legal de preferência em favor do município.
  2. Para efeitos do exercício da preferência no âmbito do regime «casa pronta», cabe ao município fornecer ao IRN e manter actualizada a listagem com os locais onde se verifique existir o direito de preferência – o que significa da parte do município a necessidade do conhecimento exaustivo de todas as situações em que tal direito se encontre previsto na lei e seja aplicável na sua circunscrição territorial ‑ cuja falta desse fornecimento o município poderá ver invocado, contra si, como legítima justificação para o obrigado à preferência não ter procedido à notificação devida para exercício desta, no caso de pretender exercê-la.

 

Salvo semper meliori judicio

  

Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

[1] Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 122/2009, de 21 de Maio, Decreto-Lei n.º 99/2010, de 2 de Setembro, Decreto-Lei n.º 209/2012, de 19 de Setembro, e Decreto-Lei n.º 125/2013, de 30 de Agosto.

[2] O sítio internet Casa Pronta – https://www.casapronta.pt/CasaPronta/ – apresenta-se do seguinte modo:

O serviço Casa Pronta, disponibilizado pelos serviços do Ministério da Justiça, permite realizar de forma imediata todas as formalidades necessárias à compra e venda, doação, permuta, dação pagamento, de prédios urbanos, mistos ou rústicos, com ou sem recurso a crédito bancário, à transferência de um empréstimo bancário para compra de casa de um banco para outro ou à realização de um empréstimo garantido por uma hipoteca sobre a casa, num único balcão de atendimento. No serviço Casa Pronta também é possível realizar a constituição de propriedade horizontal.

Neste sitio o cidadão, as empresas e as entidades públicas intervenientes nos negócios supra identificados têm acesso a serviços e à informação necessária de apoio para a realização de procedimentos Casa Pronta.

Neste sítio:

  • Os cidadãos e empresas podem preencher e enviar por via eletrónica o anúncio destinado a publicitar os elementos essenciais do negócio que pretendem realizar, por forma a que as entidades públicas com direito legal de preferência possam manifestar a intenção de exercer ou não esse direito. O custo deste anúncio é de 15€.
  • As entidades públicas com direito legal de preferência passam a ter de manifestar a intenção de exercer a preferência através deste sítio, ficando as pessoas e empresas dispensadas de obter e pagar certidões negativas de exercício de direito de preferência junto dessas entidades antes de celebrar o negócio.
  • Os cidadãos, empresas e serviços de registo podem consultar os anúncios submetidos e verificar, a cada momento, se alguma entidade pública com direito legal de preferência manifestou a intenção de exercer esse direito;
  • Os bancos podem pedir e consultar a certidão permanente de registo do prédio.

[3] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações, 4.ª edição, 1984, pág. 289 (edição acedida. Há, contudo, edição mais recente: 12.º edição, 2009, com reimpressão em 2016).

[4] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações … cit, pág. 289.

[5] Vd. Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 3.ª reimpressão, 2003, pág.189 e segs.

[6] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações … cit, pág. 293.

[7] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações … cit, pág. 294.

[8] Artigo 421.º, n.º 1, do Código Civil.

[9] Artigo 413.º, n.º 1, do Código Civil.

[10] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações … cit, pág. 294.

[11] Vd. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito da Obrigações … cit, pág. 294.

[12] Diz-se tipicamente par simbolizar que esta é a regra no que toca ao procedimento do seu exercício. Contudo diversos casos há, especialmente no caso de preferências legais e quando os beneficiários são entidades públicas, em que são previstos procedimentos específicos para exercício do direto de preferência.

[13] Vd. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 263-A/2007.

[14] Vd. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 263-A/2007.

[15] Diz-se no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 263-A/2007 que o alienante pode remeter os elementos essenciais ao exercício do direito legal de preferência (…) por uma via electrónica única.

[16] Artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 263-A/2007.

[17] Artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 263-A/2007.

[18] É também o n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 263-A/2007 que restringe o procedimento (…) ao exercício do direito legal de preferência (…).

[19] Alterada pela Portaria n.º 286/2012, de 20 de Setembro, e pela Portaria n.º 358/2015, de 14 de Outubro.

[20] Artigo 14.º, n.º 3, da Portaria n.º 794-B/2007.

[21] Fala-se aqui em preferentes porque, na verdade, as preferências legais, na generalidade dos casos não são estabelecidas apenas em favor de um único beneficiário mas sim em favor de vários beneficiários, que (aparentemente) devem exercer a preferência, ou antes, preferem de modo sucessivo. O que significa que aquele que exerce (manifesta) primeiro o seu direito de preferência poderá não vir a ser, a final, o titular do prédio.

[22] Deve entender-se que, em regra, o deito de preferência das autarquias ou, mais precisamente, de cada autarquia, vale unicamente quanto aos imóveis situados na área do concelho.

[23] Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio.

[24] Este diploma visa definir o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional, intermunicipal e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial.

[25] DL n.º 307/2009, de 23 de Outubro, alterado pela Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto e pelo Decreto‑Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro.

[26] Esta referência não significa, contudo, que todas elas sejam exercíveis através do regime «casa pronta».