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Home Pareceres Jurídicos até 2017 Competências da Junta de Freguesia. Abertura de arruamentos

Competências da Junta de Freguesia. Abertura de arruamentos

A Junta de Freguesia de …, através dos ofícios nºs …, ambos …, de …, dois dos quais nos foram remetidos, para resposta, pela Direcção de Serviços de Gestão Territorial e pela Direcção de Serviços de Gestão Ambiental, coloca diversas questões relacionadas com as atribuições e competências dos órgãos da freguesia em matéria de abertura de caminhos e que são, concretamente, as seguintes:

 
  1. “Têm as juntas de freguesia competência / legitimidade para proceder à abertura de arruamentos, nomeadamente em zonas agrícolas, com a devida autorização dos proprietários?
  2. Se sim, têm as juntas de freguesia obrigação legal de dar conhecimento de tal execução a alguma entidade?
  3. No caso de violação da lei vigente na abertura de um arruamento deste tipo em zona agrícola, ecológica ou não definida em PDM, quais as consequências legais de tal acto?”

No ofício n.º52, de 24-1-05, a junta de freguesia, fazendo as mesmas perguntas (embora coloque agora a questão relativamente à “abertura ou alargamento de caminhos vicinais”, vem esclarecer que a intervenção (que não concretiza) incidiu sobre um caminho vicinal que se destina essencialmente a servir os proprietários dos terrenos agrícolas; que se trata de um caminho incerto, possuindo diversas larguras que variam entre os 6 e 1.50 metros; que não possui qualquer iluminação, saneamento ou água e o seu piso é constituído por terra e saibro; que há 30 ou 40 anos atrás este caminho possuía aproximadamente 2 metros de largura; que essa largura foi variando em consequência da trabalhos agrícolas e das limpezas periódicas realizadas pela junta de freguesia que o vão corrigindo por forma a obter uma dimensão uniforme e que os terrenos vão sendo cedidos pelos proprietários, não havendo qualquer doação ou venda por parte destes.
Os elementos recolhidos neste último ofício indiciam apenas um alargamento de um caminho vicinal já existente sem no entanto ficar perceptível a real amplitude dessa intervenção.

Neste contexto, informamos:

As autarquias locais são formas de administração autónoma territorial, dotadas de órgãos próprios e de atribuições específicas, correspondendo essas aos interesses próprios das respectivas comunidades locais (artigo 235.º, n.º2 da Constituição).
A função das autarquias locais, é pois, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “a prossecução dos interesses próprios das populações respectivas, que são aqueles que radicam nas comunidades locais enquanto tais, isto é, são comuns aos residentes, e que se diferenciam dos interesses da comunidade nacional e dos interesses próprios das restantes comunidades”
Aos fins ou interesses cuja prossecução a lei incumbe às pessoas colectivas públicas (onde se incluem as autarquias locais) chamamos atribuições.
Mas para realizarem essas atribuições, os órgãos das pessoas colectivas necessitam de poderes. Ao conjunto de poderes funcionais que a lei confere aos órgãos das pessoas colectivas públicas para a prossecução das suas atribuições chamamos competências. Assim, enquanto as atribuições se referem à pessoa colectiva em si mesma (município ou freguesia), a competência reporta-se aos seus órgãos.
Daqui resulta que qualquer órgão da administração, ao agir, encontra uma dupla limitação: por um lado está limitado pela sua própria competência, não podendo designadamente, invadir a esfera de competências dos outros órgãos da mesma pessoa colectiva, e, por outro, está também limitado pelas atribuições da pessoa colectiva em cujo nome actua, não podendo, por isso, praticar quaisquer actos sobre matéria estranha às atribuições da pessoa colectiva a que pertence.
Assim, atribuições e competências limitam-se reciprocamente. Nenhum órgão administrativo pode prosseguir as atribuições da pessoa colectiva a que pertence por meio de competências que não sejam as suas, mas também não pode exercer a sua competência para prosseguir atribuições alheias à pessoa colectiva em que se integra.
Em matéria de atribuições e competências para a execução de vias de circulação, o Código Administrativo de 1940, no artigo 44.º, cometia às câmaras municipais, entre outras atribuições, as de fomento e, especialmente sobre vias de comunicação, o artigo 46.º esclarecia que pertencia às câmaras, no uso das atribuições de fomento, deliberar sobre a construção, reparação e conservação das estradas e caminhos a seu cargo, nos termos das leis especiais (n.º1), e sobre a abertura de novas ruas e praças nas povoações, adequando-as ao trânsito automóvel, quando necessário (n.º3). Já no que respeita às juntas de freguesia estavam-lhe conferidas atribuições no domínio da “construção, conservação e reparação dos caminhos que não estejam a cargo das câmaras municipais” (artigo 253.º, n.º10 do mesmo Código) conferindo-se às juntas de freguesia competências para o efeito (artigo 255.º, n.º10).
As leis especiais existentes eram nomeadamente o Decreto-Lei n.º 34 593, de 11 de Maio de 1945, que estabeleceu as normas para a classificação das estradas e caminhos públicos e fixou as respectivas características técnicas, mencionando que as comunicações públicas rodoviárias se classificavam em estradas nacionais de 1.ª, 2.ª e 3.ª classes, estradas municipais e caminhos públicos, dividindo estes em caminhos públicos municipais e caminhos vicinais (cf. artigo 1.º).
De acordo com o art. 5º daquele diploma, seriam estradas municipais as estradas que, não estando classificadas como nacionais, eram julgadas de interesse para um ou mais concelhos, ligando as respectivas sedes às diferentes freguesias e povoações e estas entre si ou às estradas nacionais.
No que respeita aos caminhos públicos estes eram caracterizados no art. 6º como ligações de interesse secundário ou local, subdividindo-se em caminhos municipais os destinados a permitir o transito automóvel e em caminhos vicinais os que normalmente se destinam a permitir o transito rural, ficando a cargo das câmaras municipais as estradas e os caminhos municipais e das juntas de freguesias os caminhos vicinais (vide art. 7º).
No que respeita às respectivas características técnicas estabelecia-se no artigo 36.º que as estradas municipais deveriam possuir normalmente as características técnicas fixadas para as estradas nacionais de 3.ª classe, ou seja, uma largura de plataforma de 6 metros em terreno fácil e de 5 metros em terreno acidentado, sem prejuízo de, em casos excepcionais, tais características serem reduzidas ou aumentadas (artigos 36.º, 34.º e 39.º).
Por sua vez, as características técnicas dos caminhos públicos vicinais vinham previstas no artigo 41.º e previam uma largura mínima de plataforma de 2,50 metros e, em perfil longitudinal, permitiam-se inclinações até 12% que, excepcionalmente, poderiam atingir os 15%.Porém, sempre que os caminhos vicinais permitissem a circulação automóvel poder-se-ia adoptar as características dos caminhos municipais quando tal se justificasse.
Porém o Decreto-Lei n.º 34 593, de 11 de Maio, o único diploma que fixava critérios materiais para a classificação das vias públicas municipais e da freguesia (e por força do qual foi elaborado Plano Provisório dos Caminhos Públicos Municipais, publicado em anexo ao Decreto-Lei 45 552, de 30/1/1964) viria a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 380/85 de 25 de Setembro que, por sua vez, foi também ele expressamente revogado pelo art. 15º do Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de Julho que estabelece o novo plano rodoviário nacional.
Voltando à matéria das atribuições e competências verifica-se que, posteriormente ao 25 de Abril de 1974, o DL 701-A/76, de 29/11, que estabeleceu as normas relativas à estrutura, competência e funcionamento dos órgãos do município e da freguesia, dispôs, em disposição transitória (artigo 30.º), que as atribuições e competências dos órgãos das autarquias locais e o seu regime financeiro, em tudo o que não estivesse previsto nesse diploma, seriam fixadas por lei (n.º1), mantendo-se em vigor as disposições então aplicáveis, enquanto essa legislação não fosse publicada (n.º2).
Posteriormente a Lei 79/77, de 25/10, seguindo o sistema misto (existência de uma clausula geral completada com uma enumeração meramente exemplificativa de algumas atribuições), veio estatuir no seu artigo 2.º que é atribuição das autarquias locais tudo o que diz respeito aos respectivos interesses e, designadamente, o de fomento (alínea b).
Este diploma revogou expressamente diversas normas do Decreto-Lei 701-A/76 e do Código Administrativo, mas nos preceitos revogados não se incluíam os relativos às atribuições das câmaras municipais e das juntas de freguesia em matéria de caminhos públicos, que acima referimos. Por outro lado, no artigo 113.º da dita Lei, sob a epígrafe “Legislação subsidiária transitória”, previa-se que toda a restante matéria nela não contemplada seria objecto de legislação própria, que continuava transitoriamente a ser regulada pelo Código Administrativo e pelos Decretos-Leis 701-A/76 e 701-B/76, de 29 /9.
A Lei 79/77 viria a ser revista pelo Decreto-Lei 100/84, de 29/3, no sentido da actualização e reforço das atribuições das autarquias locais e da competência dos respectivos órgãos, referindo-se no seu artigo 2.º que é atribuição das autarquias locais o que diga respeito aos interesses próprios comuns e específicos das populações respectivas, exemplificando, entre outras, atribuições no âmbito da administração de bens próprios sob sua jurisdição e no desenvolvimento.
Entretanto fora publicado o Decreto-Lei 77/84, de 8 de Março, cujo objecto, identificado no artigo 1.º, consistia na delimitação e coordenação das actuações da administração central, regional e local em matéria de investimentos públicos (n.º1), delimitação essa que, de acordo com o n.º2, consiste na identificação dos investimentos públicos cuja execução cabe em regime de exclusividade aos municípios (n.º2).
O artigo 8.º elencava então as competências do município para a realização de investimentos públicos em vários domínios, destacando-se, para o que agora interessa, no domínio do “equipamento rural e urbano”, a competência para investir em “ruas e arruamentos” (artigo 8.º, alínea a), n.º2), e no domínio dos “transportes e comunicações”, a competência para fazer investimentos na “Rede viária urbana e rural” (artigo 8.º, alínea d), n.º1). A única referência às freguesias era a do artigo 11.º que lhes permitia “realizar investimentos referidos no artigo 8.º, por delegação do município”.
Finalmente o Decreto-lei 77/84 viria a ser revogado expressamente pelo artigo 34.º da Lei 159/99, de 14 de Setembro, actualmente em vigor, cujo objecto é, nos termos do artigo 1.º, o de estabelecer o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, bem como proceder à delimitação da intervenção da administração central e local, concretizando os princípios da descentralização administrativa e da autonomia do poder local.
Porém, ao contrário do que vinha acontecendo nos diplomas anteriores(1), no DL 159/99, o legislador abandonou o critério da delimitação das atribuições das autarquias locais pela via da clausula geral complementada com uma enumeração exemplificativa, optando, criticavelmente, por uma enumeração taxativa das atribuições das autarquias locais.
Ora, nos termos das disposições combinadas do artigo 13.º, n.º1, alíneas a) e c) com os artigos 16.º, alínea b) e 18.º, n.º1, alínea a), da Lei 159/99, de 14 de Setembro, aos municípios estão confiadas atribuições na âmbito do equipamento rural e urbano e dos transportes e comunicações, e, para as prosseguir, a lei confere aos órgãos municipais competência para o planeamento, a gestão e a realização de investimentos, respectivamente, em “Ruas e arruamentos” (art.16.º al. b) e, na “Rede viária de âmbito municipal” (art. 18.º, n.º1), desenvolvidas na Lei 169/99, de 18 de Setembro.
Nesta conformidade, a competência para a construção de redes de circulação cabe à câmara municipal por força da alínea f) do n.º2 do artigo 64.º da Lei 169/99, de 18/9, (competência que pode ser delegada no presidente pelo n.º1 do artigo 65.º), cabendo ao presidente da câmara a competência para administrar e conservar as vias públicas municipais, nos termos da alínea h) do n.º2 do artigo 68.º.
Já no que respeita às freguesias a Lei 159/99 não lhes confere atribuições em matéria de transportes e comunicações, mas fá-lo no domínio do “equipamento rural e urbano” (artigo 14.º, alínea a)), o que, por paralelismo com o disposto para o município no artigo 16.º, alínea b), compreenderá também a vertente “ruas e arruamentos”.
Tendo em conta que o Princípio da Legalidade determina que “os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes sejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos” (artigo 3.º, n.º1 do CPA), a delimitação do âmbito daquela atribuição terá necessariamente que ser feita em confronto com os poderes funcionais que a lei confere aos órgãos da freguesia para a atingir.
Ora, se não temos dúvidas em afirmar que ao abrigo da alínea e) do n.º1 do artigo 34.º do DL 169/99, a junta de freguesia, no âmbito dos poderes de “administração e conservação do património da freguesia”, pode promover a conservação ou melhoria dos caminhos públicos já integrados no domínio da autarquia (designadamente os ditos caminhos vicinais cuja execução, como vimos, já foi atribuição da freguesia) já não encontramos enquadramento, no elenco de competências distribuídas actualmente aos diversos órgãos da freguesia, para a construção de novas vias de circulação.
Por essa razão consideramos que as atribuições da freguesia no domínio do “Equipamentos rurais e urbanos”, onde se incluem as vias de circulação, se consomem na vertente da conservação e melhoria dos caminhos existentes a seu cargo, só podendo realizar investimentos na criação de novas vias por delegação da Câmara Municipal, nos termos e condições previstas no artigo 37.º e 66.º do Decreto-Lei 169/99, de 18/9.
A vertente da conservação dos caminhos a cargo da freguesia compreende todos os trabalhos necessários à manutenção ou melhoramento das condições de circulação e, nessa medida, não estarão excluídos pequenos alargamentos destinados à rectificação do seu perfil desde que não alterem substancialmente as características técnicas e funcionais da via.
A resposta à segunda questão fundamenta-se no princípio da autonomia das autarquias locais e dele resulta que a junta de freguesia, para deliberar sobre a realização dos trabalhos de manutenção e melhoria da via que se contenham dentro dos parâmetros acima referidos, não tem que previamente obter o consentimento de outra entidade (pensamos que se pretende referir a câmara municipal), na medida em que actua no âmbito de competências próprias e prossegue fins contidos nas atribuições da freguesia.
Contudo embora as autarquias locais sejam entidades territorialmente sobrepostas mas independentes isso não significa que não existam formas de articulação entre elas decorrentes, desde logo, do facto dos presidentes das juntas de freguesia integrarem as assembleias municipais respectivas (art. 251.º CRP).
A terceira questão tem a ver genericamente com o dever de obediência à lei que está subjacente à actuação dos órgãos de qualquer pessoa colectiva. Assim se a rectificação do arruamento implicar a ocupação de solos incluídos em reserva agrícola nacional, tal acção só pode ser realizada em observância do disposto no DL 196/89, de 14 de Junho, o que significa a necessidade de obtenção de parecer favorável da comissão regional da reserva agrícola (artigo 9.º) sob pena de nulidade da deliberação da junta que aprovou a realização desses trabalhos (artigo 34.º). A realização de trabalhos em violação daquele regime constitui contra-ordenação (artigo 36.º), podendo ainda ser ordenada a cessação da acção em curso e a reposição dos terrenos na situação anterior á infracção 8artigos 39.º e 40.º), cabendo às direcções regionais de agricultura o dever de comunicar à Inspecção-Geral de Administração do Território todas as situações em que verifiquem haver violação do regime legal da RAN por parte das autarquias locais (artigo 37.º)
O regime da Reserva Ecológica Nacional (Decreto-lei 93/90, de 19 de Março, com as alterações do Decreto-lei 213/92, de 12 de Outubro) é ainda mais restritivo, proibindo todas as acções que se traduzam, entre outras na construção ou alargamento de arruamentos, salvo se for reconhecido, por despacho conjunto, o interesse público da intervenção (artigo 4.º n.º1 e n.º3 alínea c)) . A violação do regime da REN implica a nulidade dos respectivos actos (artigo 15.º) constituindo igualmente uma contra-ordenação punível com coima (artigo 12.º) sem prejuízo da adopção pelas entidades fiscalizadoras, entre elas os municípios, de outras medidas designadamente da ordem de cessação da acção e de reposição do terreno no estado anterior â intervenção ( artigo 14.º, n.ºs 1 e 2).

Em conclusão:

  1. Tendo em conta que Lei 159/99, de 14 de Setembro optou por proceder a uma enumeração taxativa das atribuições das autarquias locais, entendemos que não obstante as freguesias detenham atribuições no domínio dos “equipamentos rurais e urbanos” (artigo 14.º, alínea a)) onde se incluem as “ruas e arruamentos” ( artigo 16.º, alínea b)), em matéria de vias de comunicação tais atribuições consomem-se na vertente de administração e conservação das vias existentes que estejam sob jurisdição da freguesia (artigo 34.º, n.º1, alínea e) da Lei 169/99, de 18 de Setembro)), uma vez que no leque de competências conferidas aos diversos órgãos da freguesia não se inclui nenhuma que enquadre a possibilidade de abertura de novas vias de comunicação.
  2. A vertente da conservação dos caminhos a cargo da freguesia compreende todos os trabalhos necessários à manutenção ou melhoramento das condições de circulação e, nessa medida, não estarão excluídos pequenos alargamentos destinados à rectificação do seu perfil desde que não alterem substancialmente as características técnicas e funcionais da via.
  3. O dever de obediência à lei que está subjacente à actuação dos órgãos de qualquer pessoa colectiva exige que se cumpram os regimes legais específicos que condicionam essa actuação, designadamente as acções que ocorram em áreas abrangidas pela reserva agrícola ou reserva ecológica nacional. Tais regimes prevêem, para além da responsabilidade a nível contra-ordenacional e a possibilidade de adopção de medidas tendentes à reposição da legalidade, a sanção da nulidade para os actos administrativos praticados em violação destes regimes. Em ambos os casos, o município é uma das entidades fiscalizadoras (artigo 37.º do DL 196/89, de 14/6 e artigo 14.º, n.º1 do DL 93/90, de 19/3).

(1)Maria José Castanheira Neves, Governo e Administração Local, pag 26 e ss e 125 e ss)

 
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A Junta de Freguesia de …, através dos ofícios nºs …, ambos …, de …, dois dos quais nos foram remetidos, para resposta, pela Direcção de Serviços de Gestão Territorial e pela Direcção de Serviços de Gestão Ambiental, coloca diversas questões relacionadas com as atribuições e competências dos órgãos da freguesia em matéria de abertura de caminhos e que são, concretamente, as seguintes:

 
  1. “Têm as juntas de freguesia competência / legitimidade para proceder à abertura de arruamentos, nomeadamente em zonas agrícolas, com a devida autorização dos proprietários?
  2. Se sim, têm as juntas de freguesia obrigação legal de dar conhecimento de tal execução a alguma entidade?
  3. No caso de violação da lei vigente na abertura de um arruamento deste tipo em zona agrícola, ecológica ou não definida em PDM, quais as consequências legais de tal acto?”

No ofício n.º52, de 24-1-05, a junta de freguesia, fazendo as mesmas perguntas (embora coloque agora a questão relativamente à “abertura ou alargamento de caminhos vicinais”, vem esclarecer que a intervenção (que não concretiza) incidiu sobre um caminho vicinal que se destina essencialmente a servir os proprietários dos terrenos agrícolas; que se trata de um caminho incerto, possuindo diversas larguras que variam entre os 6 e 1.50 metros; que não possui qualquer iluminação, saneamento ou água e o seu piso é constituído por terra e saibro; que há 30 ou 40 anos atrás este caminho possuía aproximadamente 2 metros de largura; que essa largura foi variando em consequência da trabalhos agrícolas e das limpezas periódicas realizadas pela junta de freguesia que o vão corrigindo por forma a obter uma dimensão uniforme e que os terrenos vão sendo cedidos pelos proprietários, não havendo qualquer doação ou venda por parte destes.
Os elementos recolhidos neste último ofício indiciam apenas um alargamento de um caminho vicinal já existente sem no entanto ficar perceptível a real amplitude dessa intervenção.

Neste contexto, informamos:

As autarquias locais são formas de administração autónoma territorial, dotadas de órgãos próprios e de atribuições específicas, correspondendo essas aos interesses próprios das respectivas comunidades locais (artigo 235.º, n.º2 da Constituição).
A função das autarquias locais, é pois, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “a prossecução dos interesses próprios das populações respectivas, que são aqueles que radicam nas comunidades locais enquanto tais, isto é, são comuns aos residentes, e que se diferenciam dos interesses da comunidade nacional e dos interesses próprios das restantes comunidades”
Aos fins ou interesses cuja prossecução a lei incumbe às pessoas colectivas públicas (onde se incluem as autarquias locais) chamamos atribuições.
Mas para realizarem essas atribuições, os órgãos das pessoas colectivas necessitam de poderes. Ao conjunto de poderes funcionais que a lei confere aos órgãos das pessoas colectivas públicas para a prossecução das suas atribuições chamamos competências. Assim, enquanto as atribuições se referem à pessoa colectiva em si mesma (município ou freguesia), a competência reporta-se aos seus órgãos.
Daqui resulta que qualquer órgão da administração, ao agir, encontra uma dupla limitação: por um lado está limitado pela sua própria competência, não podendo designadamente, invadir a esfera de competências dos outros órgãos da mesma pessoa colectiva, e, por outro, está também limitado pelas atribuições da pessoa colectiva em cujo nome actua, não podendo, por isso, praticar quaisquer actos sobre matéria estranha às atribuições da pessoa colectiva a que pertence.
Assim, atribuições e competências limitam-se reciprocamente. Nenhum órgão administrativo pode prosseguir as atribuições da pessoa colectiva a que pertence por meio de competências que não sejam as suas, mas também não pode exercer a sua competência para prosseguir atribuições alheias à pessoa colectiva em que se integra.
Em matéria de atribuições e competências para a execução de vias de circulação, o Código Administrativo de 1940, no artigo 44.º, cometia às câmaras municipais, entre outras atribuições, as de fomento e, especialmente sobre vias de comunicação, o artigo 46.º esclarecia que pertencia às câmaras, no uso das atribuições de fomento, deliberar sobre a construção, reparação e conservação das estradas e caminhos a seu cargo, nos termos das leis especiais (n.º1), e sobre a abertura de novas ruas e praças nas povoações, adequando-as ao trânsito automóvel, quando necessário (n.º3). Já no que respeita às juntas de freguesia estavam-lhe conferidas atribuições no domínio da “construção, conservação e reparação dos caminhos que não estejam a cargo das câmaras municipais” (artigo 253.º, n.º10 do mesmo Código) conferindo-se às juntas de freguesia competências para o efeito (artigo 255.º, n.º10).
As leis especiais existentes eram nomeadamente o Decreto-Lei n.º 34 593, de 11 de Maio de 1945, que estabeleceu as normas para a classificação das estradas e caminhos públicos e fixou as respectivas características técnicas, mencionando que as comunicações públicas rodoviárias se classificavam em estradas nacionais de 1.ª, 2.ª e 3.ª classes, estradas municipais e caminhos públicos, dividindo estes em caminhos públicos municipais e caminhos vicinais (cf. artigo 1.º).
De acordo com o art. 5º daquele diploma, seriam estradas municipais as estradas que, não estando classificadas como nacionais, eram julgadas de interesse para um ou mais concelhos, ligando as respectivas sedes às diferentes freguesias e povoações e estas entre si ou às estradas nacionais.
No que respeita aos caminhos públicos estes eram caracterizados no art. 6º como ligações de interesse secundário ou local, subdividindo-se em caminhos municipais os destinados a permitir o transito automóvel e em caminhos vicinais os que normalmente se destinam a permitir o transito rural, ficando a cargo das câmaras municipais as estradas e os caminhos municipais e das juntas de freguesias os caminhos vicinais (vide art. 7º).
No que respeita às respectivas características técnicas estabelecia-se no artigo 36.º que as estradas municipais deveriam possuir normalmente as características técnicas fixadas para as estradas nacionais de 3.ª classe, ou seja, uma largura de plataforma de 6 metros em terreno fácil e de 5 metros em terreno acidentado, sem prejuízo de, em casos excepcionais, tais características serem reduzidas ou aumentadas (artigos 36.º, 34.º e 39.º).
Por sua vez, as características técnicas dos caminhos públicos vicinais vinham previstas no artigo 41.º e previam uma largura mínima de plataforma de 2,50 metros e, em perfil longitudinal, permitiam-se inclinações até 12% que, excepcionalmente, poderiam atingir os 15%.Porém, sempre que os caminhos vicinais permitissem a circulação automóvel poder-se-ia adoptar as características dos caminhos municipais quando tal se justificasse.
Porém o Decreto-Lei n.º 34 593, de 11 de Maio, o único diploma que fixava critérios materiais para a classificação das vias públicas municipais e da freguesia (e por força do qual foi elaborado Plano Provisório dos Caminhos Públicos Municipais, publicado em anexo ao Decreto-Lei 45 552, de 30/1/1964) viria a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 380/85 de 25 de Setembro que, por sua vez, foi também ele expressamente revogado pelo art. 15º do Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de Julho que estabelece o novo plano rodoviário nacional.
Voltando à matéria das atribuições e competências verifica-se que, posteriormente ao 25 de Abril de 1974, o DL 701-A/76, de 29/11, que estabeleceu as normas relativas à estrutura, competência e funcionamento dos órgãos do município e da freguesia, dispôs, em disposição transitória (artigo 30.º), que as atribuições e competências dos órgãos das autarquias locais e o seu regime financeiro, em tudo o que não estivesse previsto nesse diploma, seriam fixadas por lei (n.º1), mantendo-se em vigor as disposições então aplicáveis, enquanto essa legislação não fosse publicada (n.º2).
Posteriormente a Lei 79/77, de 25/10, seguindo o sistema misto (existência de uma clausula geral completada com uma enumeração meramente exemplificativa de algumas atribuições), veio estatuir no seu artigo 2.º que é atribuição das autarquias locais tudo o que diz respeito aos respectivos interesses e, designadamente, o de fomento (alínea b).
Este diploma revogou expressamente diversas normas do Decreto-Lei 701-A/76 e do Código Administrativo, mas nos preceitos revogados não se incluíam os relativos às atribuições das câmaras municipais e das juntas de freguesia em matéria de caminhos públicos, que acima referimos. Por outro lado, no artigo 113.º da dita Lei, sob a epígrafe “Legislação subsidiária transitória”, previa-se que toda a restante matéria nela não contemplada seria objecto de legislação própria, que continuava transitoriamente a ser regulada pelo Código Administrativo e pelos Decretos-Leis 701-A/76 e 701-B/76, de 29 /9.
A Lei 79/77 viria a ser revista pelo Decreto-Lei 100/84, de 29/3, no sentido da actualização e reforço das atribuições das autarquias locais e da competência dos respectivos órgãos, referindo-se no seu artigo 2.º que é atribuição das autarquias locais o que diga respeito aos interesses próprios comuns e específicos das populações respectivas, exemplificando, entre outras, atribuições no âmbito da administração de bens próprios sob sua jurisdição e no desenvolvimento.
Entretanto fora publicado o Decreto-Lei 77/84, de 8 de Março, cujo objecto, identificado no artigo 1.º, consistia na delimitação e coordenação das actuações da administração central, regional e local em matéria de investimentos públicos (n.º1), delimitação essa que, de acordo com o n.º2, consiste na identificação dos investimentos públicos cuja execução cabe em regime de exclusividade aos municípios (n.º2).
O artigo 8.º elencava então as competências do município para a realização de investimentos públicos em vários domínios, destacando-se, para o que agora interessa, no domínio do “equipamento rural e urbano”, a competência para investir em “ruas e arruamentos” (artigo 8.º, alínea a), n.º2), e no domínio dos “transportes e comunicações”, a competência para fazer investimentos na “Rede viária urbana e rural” (artigo 8.º, alínea d), n.º1). A única referência às freguesias era a do artigo 11.º que lhes permitia “realizar investimentos referidos no artigo 8.º, por delegação do município”.
Finalmente o Decreto-lei 77/84 viria a ser revogado expressamente pelo artigo 34.º da Lei 159/99, de 14 de Setembro, actualmente em vigor, cujo objecto é, nos termos do artigo 1.º, o de estabelecer o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, bem como proceder à delimitação da intervenção da administração central e local, concretizando os princípios da descentralização administrativa e da autonomia do poder local.
Porém, ao contrário do que vinha acontecendo nos diplomas anteriores(1), no DL 159/99, o legislador abandonou o critério da delimitação das atribuições das autarquias locais pela via da clausula geral complementada com uma enumeração exemplificativa, optando, criticavelmente, por uma enumeração taxativa das atribuições das autarquias locais.
Ora, nos termos das disposições combinadas do artigo 13.º, n.º1, alíneas a) e c) com os artigos 16.º, alínea b) e 18.º, n.º1, alínea a), da Lei 159/99, de 14 de Setembro, aos municípios estão confiadas atribuições na âmbito do equipamento rural e urbano e dos transportes e comunicações, e, para as prosseguir, a lei confere aos órgãos municipais competência para o planeamento, a gestão e a realização de investimentos, respectivamente, em “Ruas e arruamentos” (art.16.º al. b) e, na “Rede viária de âmbito municipal” (art. 18.º, n.º1), desenvolvidas na Lei 169/99, de 18 de Setembro.
Nesta conformidade, a competência para a construção de redes de circulação cabe à câmara municipal por força da alínea f) do n.º2 do artigo 64.º da Lei 169/99, de 18/9, (competência que pode ser delegada no presidente pelo n.º1 do artigo 65.º), cabendo ao presidente da câmara a competência para administrar e conservar as vias públicas municipais, nos termos da alínea h) do n.º2 do artigo 68.º.
Já no que respeita às freguesias a Lei 159/99 não lhes confere atribuições em matéria de transportes e comunicações, mas fá-lo no domínio do “equipamento rural e urbano” (artigo 14.º, alínea a)), o que, por paralelismo com o disposto para o município no artigo 16.º, alínea b), compreenderá também a vertente “ruas e arruamentos”.
Tendo em conta que o Princípio da Legalidade determina que “os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes sejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos” (artigo 3.º, n.º1 do CPA), a delimitação do âmbito daquela atribuição terá necessariamente que ser feita em confronto com os poderes funcionais que a lei confere aos órgãos da freguesia para a atingir.
Ora, se não temos dúvidas em afirmar que ao abrigo da alínea e) do n.º1 do artigo 34.º do DL 169/99, a junta de freguesia, no âmbito dos poderes de “administração e conservação do património da freguesia”, pode promover a conservação ou melhoria dos caminhos públicos já integrados no domínio da autarquia (designadamente os ditos caminhos vicinais cuja execução, como vimos, já foi atribuição da freguesia) já não encontramos enquadramento, no elenco de competências distribuídas actualmente aos diversos órgãos da freguesia, para a construção de novas vias de circulação.
Por essa razão consideramos que as atribuições da freguesia no domínio do “Equipamentos rurais e urbanos”, onde se incluem as vias de circulação, se consomem na vertente da conservação e melhoria dos caminhos existentes a seu cargo, só podendo realizar investimentos na criação de novas vias por delegação da Câmara Municipal, nos termos e condições previstas no artigo 37.º e 66.º do Decreto-Lei 169/99, de 18/9.
A vertente da conservação dos caminhos a cargo da freguesia compreende todos os trabalhos necessários à manutenção ou melhoramento das condições de circulação e, nessa medida, não estarão excluídos pequenos alargamentos destinados à rectificação do seu perfil desde que não alterem substancialmente as características técnicas e funcionais da via.
A resposta à segunda questão fundamenta-se no princípio da autonomia das autarquias locais e dele resulta que a junta de freguesia, para deliberar sobre a realização dos trabalhos de manutenção e melhoria da via que se contenham dentro dos parâmetros acima referidos, não tem que previamente obter o consentimento de outra entidade (pensamos que se pretende referir a câmara municipal), na medida em que actua no âmbito de competências próprias e prossegue fins contidos nas atribuições da freguesia.
Contudo embora as autarquias locais sejam entidades territorialmente sobrepostas mas independentes isso não significa que não existam formas de articulação entre elas decorrentes, desde logo, do facto dos presidentes das juntas de freguesia integrarem as assembleias municipais respectivas (art. 251.º CRP).
A terceira questão tem a ver genericamente com o dever de obediência à lei que está subjacente à actuação dos órgãos de qualquer pessoa colectiva. Assim se a rectificação do arruamento implicar a ocupação de solos incluídos em reserva agrícola nacional, tal acção só pode ser realizada em observância do disposto no DL 196/89, de 14 de Junho, o que significa a necessidade de obtenção de parecer favorável da comissão regional da reserva agrícola (artigo 9.º) sob pena de nulidade da deliberação da junta que aprovou a realização desses trabalhos (artigo 34.º). A realização de trabalhos em violação daquele regime constitui contra-ordenação (artigo 36.º), podendo ainda ser ordenada a cessação da acção em curso e a reposição dos terrenos na situação anterior á infracção 8artigos 39.º e 40.º), cabendo às direcções regionais de agricultura o dever de comunicar à Inspecção-Geral de Administração do Território todas as situações em que verifiquem haver violação do regime legal da RAN por parte das autarquias locais (artigo 37.º)
O regime da Reserva Ecológica Nacional (Decreto-lei 93/90, de 19 de Março, com as alterações do Decreto-lei 213/92, de 12 de Outubro) é ainda mais restritivo, proibindo todas as acções que se traduzam, entre outras na construção ou alargamento de arruamentos, salvo se for reconhecido, por despacho conjunto, o interesse público da intervenção (artigo 4.º n.º1 e n.º3 alínea c)) . A violação do regime da REN implica a nulidade dos respectivos actos (artigo 15.º) constituindo igualmente uma contra-ordenação punível com coima (artigo 12.º) sem prejuízo da adopção pelas entidades fiscalizadoras, entre elas os municípios, de outras medidas designadamente da ordem de cessação da acção e de reposição do terreno no estado anterior â intervenção ( artigo 14.º, n.ºs 1 e 2).

Em conclusão:

  1. Tendo em conta que Lei 159/99, de 14 de Setembro optou por proceder a uma enumeração taxativa das atribuições das autarquias locais, entendemos que não obstante as freguesias detenham atribuições no domínio dos “equipamentos rurais e urbanos” (artigo 14.º, alínea a)) onde se incluem as “ruas e arruamentos” ( artigo 16.º, alínea b)), em matéria de vias de comunicação tais atribuições consomem-se na vertente de administração e conservação das vias existentes que estejam sob jurisdição da freguesia (artigo 34.º, n.º1, alínea e) da Lei 169/99, de 18 de Setembro)), uma vez que no leque de competências conferidas aos diversos órgãos da freguesia não se inclui nenhuma que enquadre a possibilidade de abertura de novas vias de comunicação.
  2. A vertente da conservação dos caminhos a cargo da freguesia compreende todos os trabalhos necessários à manutenção ou melhoramento das condições de circulação e, nessa medida, não estarão excluídos pequenos alargamentos destinados à rectificação do seu perfil desde que não alterem substancialmente as características técnicas e funcionais da via.
  3. O dever de obediência à lei que está subjacente à actuação dos órgãos de qualquer pessoa colectiva exige que se cumpram os regimes legais específicos que condicionam essa actuação, designadamente as acções que ocorram em áreas abrangidas pela reserva agrícola ou reserva ecológica nacional. Tais regimes prevêem, para além da responsabilidade a nível contra-ordenacional e a possibilidade de adopção de medidas tendentes à reposição da legalidade, a sanção da nulidade para os actos administrativos praticados em violação destes regimes. Em ambos os casos, o município é uma das entidades fiscalizadoras (artigo 37.º do DL 196/89, de 14/6 e artigo 14.º, n.º1 do DL 93/90, de 19/3).

(1)Maria José Castanheira Neves, Governo e Administração Local, pag 26 e ss e 125 e ss)